Neste sábado (25/01), o artigo da coluna não é de minha autoria. Recomendo a leitura do texto, do vereador Alexandre Arraes, onde ele explicita bem a enrascada em que estamos nessa história que envolve o abastecimento de água e o tratamento de esgoto na cidade do Rio. É um artigo esclarecedor e aterrador!
“A Cedae não é confiável. Poucas vezes o foi. Se tiver de escolher acreditar entre o que diz a Cedae, a UFRJ e a UERJ, obviamente escolherei quem não engana a população há 45 anos. Aliás, o que andou fazendo a Cedae pela cidade do Rio ao longo de mais de quatro décadas, além de cobrar a sétima tarifa mais cara do país sem oferecer tratamento de esgoto e agora entregando água de péssima qualidade? Sabemos boa parte da resposta.
Todos conhecem minha luta pelo saneamento municipal. Cansei de denunciar a ineficiência e os crimes ambientais praticados pela Cedae, bem como o absurdo instrumento da delegação de serviços assinado pela Prefeitura em 2007 e a transferência, daqui para outras cidades, de recursos através de subsídios cruzados, sem qualquer transparência. A Cedae recebe 80% da sua receita, que é usada para dar garantias de empréstimo internacional de R$ 3,2 bilhões, que são, acredite, totalmente investidos fora daqui!
Nos últimos tempos, havia sinais de que, enfim, as coisas poderiam melhorar. Primeiro, a Justiça Federal havia acolhido as alegações da Prefeitura que, cansada, decidiu acionar a empresa, questionando, entre outros absurdos, o esdrúxulo instrumento jurídico da delegação municipal do serviço de saneamento, chamado curiosamente de Termo de Reconhecimento Recíproco de Direitos e Obrigações, assinado por Sérgio Cabral, Cesar Maia e Wagner Victer, então presidente da Cedae.
Mais: enfim, o Ministério Público Federal havia denunciado cinco diretores da empresa por crime ambiental, pois, como repito há anos, ocorre crime ambiental continuado contra nossa cidade, com corpo, testemunhas, provas e culpados conhecidos — só nunca houve punidos.
E para completar as notícias favoráveis, o Marco Legal do Saneamento, legislação de primeira grandeza, havia sido, finalmente, aprovado na Câmara dos Deputados. Aí veio a surpresa: a Cedae consegue estender sua incompetência para além da falta de tratamento de esgoto. O serviço de água tratada também foi comprometido.
Logo no começo do ano, desde o dia 4 de janeiro, comecei a receber denúncias de cariocas que conhecem meu trabalho em defesa do saneamento: a água saía das torneiras suja e malcheirosa. Poderiam ser casos isolados, mas logo as denúncias se espalharam por todas as zonas da cidade. UERJ e UFRJ denunciaram a situação e, daí em diante, houve uma cadeia de especialistas e instituições com alta credibilidade confirmando as reclamações dos cariocas. Já a Cedae, em breve comunicado, informava que a água fornecida “estava dentro dos padrões para consumo”.
Não é preciso ser especialista para saber que a água turva, marrom com cheiro e gosto de terra não deve ser consumida. E por que a empresa não admitiu a gravidade da situação da falta de qualidade da água e quer evitar que a população conheça a raiz do problema?
Respondo. Por duas razões principais: primeiro porque a responsabilidade é dela, que tomou decisões equivocadas e foi incompetente ao longo de 45 anos de péssima gestão; em segundo lugar, porque admitir o grave problema fará reduzir ainda mais o preço em eventual leilão da companhia, dada como garantia pelo Estado do Rio de Janeiro para obter as vantagens do regime de recuperação fiscal.
Explico: a Cedae capta água do rio Guandu. Quanto melhor a qualidade da água captada, mais barato é o tratamento necessário para torná-la potável. Pois é, hoje, a “água” captada é uma verdadeira “pasta de cocô”, para usar expressão do biólogo Mario Moscatelli. Transformar esse material em água potável exige da companhia grande investimento e muito uso de produtos químicos. Verdadeira alquimia.
O fato é que, se as cidades da região tivessem serviço de coleta e tratamento de esgoto e não o despejassem in natura no rio Guandu e afluentes, a situação seria mais simples. Mas por que a estatal não investiu no tratamento de esgoto dos municípios que jogam esgoto exatamente no local onde ela capta a água? Preferiu investir na ampliação do serviço de fornecimento de água tratada, que permite a ela cobrar gordas tarifas e usar politicamente a empresa. Já o serviço de esgoto é cobrado a partir da tarifa da água, dobrando-se o seu valor, ainda que não ocorra a devida prestação do serviço.
O Estado do Rio entrou em colapso financeiro. As causas são conhecidas. Para tentar sair da crise, assinou um acordo com a União, o regime de recuperação fiscal, e deu como garantia de empréstimo seu único ativo — a Cedae. À época, avaliada — sabe-se lá como — por R$ 2,9 bilhões, o Governo estadual terá de vender a empresa para pagar a dívida, que já está em volta de R$ 4 bilhões.
Qualquer fato que ressalte a situação jurídica vulnerável da empresa — que não tem contratos formais com os municípios a que atende — ou outras condições que possam derrubar o seu valor de venda em eventual leilão ou abertura de capital é rapidamente abafado. Por isso, além da enorme incompetência, já conhecida pela falta de tratamento de esgoto, agora estendida ao fornecimento de água, é que não se pode confiar no que dizem o Governo do Estado e os representantes da empresa.
O Governo estadual tem feito planos absolutamente delirantes de obter R$ 10 bilhões no leilão de venda da empresa que, hoje, talvez não valha nem mesmo os R$ 2,9 bilhões da avaliação inicial. Afinal, a Cedae corre risco de perder seu maior cliente, o Município do Rio e, neste momento, sofre a exposição da grave situação do rio Guandu.
Ao optar por investir tudo em ampliação da oferta de água, e não na coleta e tratamento de esgoto e nos cuidados com seus mananciais, colocou a si mesma em sinuca de bico, talvez xeque-mate. Cometeu erro estratégico de tal dimensão, que dificilmente será corrigido.
Como digo há tempos, não confio na Cedae e, diante das fanfarronadas sobre a qualidade da água fornecida, gostaria de ver o seu presidente beber um copo dessa água, que ele garante potável, na casa de um dos cariocas que está sendo obrigado a gastar suas reservas para comprar água mineral, pois sabe muito bem que água marrom e com cheiro ruim não deve ser ingerida. Duvido que o faça!
Enquanto isso, é recomendável que não se consuma a água entregue pela empresa até que sejam realizados todos os testes exigidos pelo Ministério da Saúde, de preferência por instituição independente confiável, e que haja total segurança de que é realmente potável. A falta de confiança é plenamente justificada, minha e de todos os cariocas.
O Rio tem pressa e não pode esperar mais pela Cedae. Existem outros modelos bem-sucedidos. Será necessário investimento privado para alcançarmos a universalização. Já passou da hora de pararmos de insistir em velhas práticas e cometermos os mesmos erros. Estamos iniciando um novo momento e nele não há lugar para esta Cedae”.