“Quem foi que disse que eu não faço samba?”: para os que conhecem Erasmo Carlos, isso não é uma surpresa. O Tremendão é carioca da gema, nascido na Tijuca e torcedor do Vasco. Lá atrás, ele não entrou na onda da bossa nova ou do samba, mas se tornou um dos grandes nomes do rock nacional, um dos fundadores da Jovem Guarda. Aos 78 anos, o cantor e compositor, que tá com um pique danado, assumiu seu lado sambista e, neste sábado (16/11), abre a turnê do projeto da frase citada acima, no Teatro Riachuelo, na Lapa, às 20h.
Mas por que samba agora? “Tenho mais de 600 músicas, entre elas, muitos sambas. Quando eu comecei minha vida, despertei, em 1958, para influências que vieram juntas: samba, a bossa nova e o rock. E eu não segui fazendo samba porque não tinha acesso a essa turma, que estava elitizada, a turma da Zona Sul do Rio, todos escolarizados, universitários, de pedigree, nascidos de boas famílias. Eu não. Eu era da Tijuca, não tinha toda essa escolaridade, então o rock me abriu os braços e a bossa nova, não”, diz ele. “Mas eu continuei fazendo samba. Desde o meu primeiro disco, gravo samba, mas só consegui fazer sucesso, muitos anos depois, com ‘Coqueiro Verde’ e ‘Cachaça Mecânica'””.
Erasmo é do tipo inquieto, que se reinventa. Há 10 anos, lançou a autobiografia “Minha fama de mau” (Objetiva) — que virou filme este ano —, onde conta seus fracassos com bom humor e fala de suas conquistas com humildade. Relembra a amizade com Roberto, Jorge Ben, Tim Maia e outros arruaceiros da juventude e sua inesgotável obsessão por rabos de saia (atualmente, está casado com Fernanda Passos, de 28 anos) e carrões, coisa de roqueiro, claro.
UMA LOUCURA: “Ser vascaíno. Me preocupo com meu time, quando as finanças vão melhorar, se vão segurar o Vanderlei Luxemburbo… O time que começa o ano pensando em não cair é medíocre. Tem que pensar grande.”
UMA ROUBADA: “Votar errado. Desde Fernando Henrique, ninguém tem votado certo. Não defendo ninguém. Só Fernando Henrique.”
UMA IDEIA FIXA: “Morrer tranquilo. Não dar trabalho pros outros, não ter dor.”
UM PORRE: “Pra mim que vai perguntar isso? Eu não bebo mais, mas já bebi minha cota toda. E a dos outros também. Mas um… foi acordar numa piscina vazia em Curitiba. Não sei explicar.
Algumas frustrações: “Não ser guitarrista, não andar de motocicleta, não ter feito tatuagem quando não era moda. Na época, se fazia tatuagem, era coração de mãe, dragão de São Jorge. Era marinho que se fazia – umas tatuagens horríveis, um mau gosto danado, umas coisas muito ruins. Mas, naquela época que era transgressor fazer tatuagem, aí que era interessante ter feito. Hoje em dia, é moda, e eu não me animo mais, não.
UM APAGÃO: “Ih, eu já desmaiei tantas vezes! Uso até marcapasso de tanto apagão.”
UMA SÍNDROME: “De perfeccionismo, de coisas certas, corretas, bem definidas, sem dúvidas e transparentes. Mesmo que, às vezes, eu não exerça e engula algumas coisas, na minha cabeça, penso sempre nisso.”
UM MEDO: “Não saber conduzir minha vida como tenho conseguido até hoje. Por algum motivo externo, que eu não conseguir desenvolver minha vida como acho que desenvolvi até hoje.”
UM DEFEITO: “Ser perfeccionista também.
UM DESPRAZER: “Ver violência; isso mexe muito comigo e acredito que com todos. A intolerância das pessoas, a impaciência. Às vezes, argumento se temos uma luz no fim do túnel. Tenho até música sobre isso. Os otimistas acreditam que sim; os pessimistas, não. Mas a gente não sabe. Não se sabe o que vai predominar no mundo. Qual cultura, a intolerância vai vencer ou não? O futuro a Deus pertence. Eu continuo otimista, mas o mundo dá suas voltas. De repente, um maluco faz uma coisa lá do outro lado do mundo e repercute aqui. Nos resta viver e aceitar as coisas ”
UM INSUCESSO: “Não estou conseguindo definir nada assim.”
UM IMPULSO: “Impulso foi me casar aos 78 anos. Tá tudo ótimo, graças a Deus.”
UMA PARANOIA: “Me equivocar. Todo mundo está sujeito a isso; só com bom-senso. É uma coisa letal. Às vezes, até inocentemente, você se equivoca e toma um rumo achando que está bem, mas não está. E você fica convivendo com o julgamento de todos, até você sentir que está errado. É uma sensação pavorosa. Eu tenho um medo danado de me equivocar como ser humano e merecer o desprezo de meus semelhantes.”
Foto: Guto Costa/Divulgação