Carolina Monte faz parte de uma turma crescente que largou a profissão e agarrou, com tudo, uma nova atividade: a de costureira autodidata. Há 22 anos, ela se formou como engenheira de áudio pela Universidade de Nova York, e sempre trabalhou com música – foi integrante da banda de rock Irreversíveis, lá nos anos 2000. Investiu pesado em equipamentos para montar o Top 5 Estúdio, que funcionava desde 2002 – até pouquíssimo tempo -, numa casa no Cosme Velho. Foi lá, também, que organizou a digitalização (ao lado de Sidney Costa) de 235 fitas cassetes da irmã, Marisa Monte (por parte de pai, Carlos Monte, ex-diretor cultural da Portela), que estavam sendo destruídas pelas traças.
Do estúdio, não sobrou nada. Ela vendeu a parafernália tecnológica para montar seu ateliê na sala de 70 metros quadrados e nunca esteve tão feliz. “Sinto-me um pássaro livre da gaiola”, diz. Agora, acaba de lançar sua marca Carolina Monte e um site para vender suas roupas, como os já famosos quimonos com mangas japonesas de 90 cm, de estampas exclusivas. Durante os fins de semana de janeiro, ela vai participar de um bazar coletivo na K’Samba, na Fábrica Bhering, e prepara o lançamento da sua primeira coleção.
Quando e como perdeu o tesão pela profissão?
A profissão está dominada por uma minoria que é foda, uma panelinha. Meu estúdio tinha os melhores equipamentos, e as pessoas não queriam pagar R$ 50 a hora. Mas, no estúdio de (Alexandre) Kassin, no Monaural, eles pagam R$ 200, e as gravadoras chamam essas pessoas. Eu sou mulher, e o meio é muito machista. Existem somente três engenheiras de som no Brasil, que eu conheço de nome. Não é só pelo machismo, mas as pessoas não dão valor. E com a tecnologia, o estúdio também virou um espaço em extinção. Ficar 22 anos trancada também me cansou. E o lado artesão da música acabou; hoje em dia, tudo é resolvido pelo Pro Tools (sistema usado na pós-produção e dublagem de filmes e programas de TV). Estudei para tirar som, para fazer uma parada maneira e não ficar afinando voz. O padrão hoje é irreal: você ouve Pabblo Vittar e acha que ele canta bem, mas vai assistir a um show ao vivo… Aqui no Brasil tudo é muito ruim.
Então não existe artista bom?
Para as gravadoras e produtores, existe o que vende e o que não vende. Anavitória, por exemplo, é chato pra cacete – nunca sei se é uma ou são duas pessoas. Anitta canta com autotune (programa que corrige as performances vocal e instrumental) e domina a parada de sucesso, troca o tom, desafina, e ninguém fala nada porque ela é intocável.
Como aconteceu a costura?
Não quero fazer outra coisa da vida a não ser costurar. Minha mãe, Isabel, tinha uma fábrica de roupa de criança e vendia para a Mesbla. Eu ficava desenhando na mesa de controle de qualidade, e a via escolher cartela de tecido, ficava na loja vendendo roupa; mas isso foi apagado da minha vida. Há uns dois anos, peguei as camisas sociais do meu namorado e comecei a costurar. Nunca fiz aula. Fui para o YouTube, mas achei que ficaria uma merda minha primeira saia de pregas. Quando vesti, chorei. Dali, eu decidi que nunca mais compraria uma peça; tudo por aí é de trabalho escravo. As pessoas estão morrendo para fazer roupa. Eu quero um negócio ‘carma free’.
Não teve medo da mudança?
Menina, para quem já ficou dez horas e meia com o coração fora do peito (ela operou em 2010, para curar o CIV, defeito congênito do coração, conhecido como sopro), mudar de profissão é pinto. Quando você vive com um problema, acaba se tornando vítima. Quando fiquei curada, não tinha mais desculpa.
Você trabalha sozinha e por que quimonos?
Faço tudo: molde, costura e corte, mas tenho a costureira Edith Nascimento, que me dá uma força por causa da demanda. Eu costuro de três a quatro quimonos por dia e ela, 10. Quimono porque é democrático. Não tem grade; não quero colocar ninguém em rótulos. Uso viscose e algodão orgânico e não quero comprar metros de um só tecido porque acho ridículo todo mundo andando igual. Meu quimono é com costura francesa – você não vai ver overlock, é tipo alta-costura.
E sua irmã, o que achou?
Marisa não dá a menor bola, mas dá a maior força.
Você já era ligada em moda?
Muito. Cheguei a ter mais de 1.300 peças no meu guarda-roupa. Em Nova York, não tem como não ser consumista. Sabia o nome das marcas: se Marc Jacobs lançava coleção, ia correndo. Há alguns anos, fiz um bazar e vendi todas as minhas roupas. Hoje tenho 30, 40 peças…
Você está na contramão da crise…
Tem que ter uma coragem, porque eu saí de um negócio que eu entendia pra caralho para um que podia dar errado. Meu primeiro quimono, eu refiz várias vezes. O negócio é insistir. Não tem como ficar sentada em casa, esperando a crise passar. Mas, de investimento, gastei pouco. Não tenho garantia de dar certo; os caras do governo deixaram a gente na merda e agora temos que correr atrás. Eu mesma desmontei o estúdio e o transformei no ateliê porque não tenho dinheiro para pagar mão de obra. Mas, na crise – em todos os sentidos -, é quando as pessoas mais vencem, porque ela nos obriga a criar. E o brasileiro é o povo mais criativo que existe. Temos que improvisar.