Nelson Goldenstein é psiquiatra clínico do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ) e se dedica ao estudo de formas de diagnosticar precocemente transtornos mentais graves, particularmente os psicóticos. Perguntado sobre o caso do copiloto alemão Andreas Lubitz, que teria jogado o Air 320 contra os Alpes franceses na terça-feira (24/03), ele é enfático: “Aparentemente estamos falando de um assassino em massa e suicida. Depressão não é causa, nem direta e nem indireta, desse tipo de comportamento, podendo ser apenas um fator concorrente. O termo depressão está sendo usado para justificar todo tipo de bizarrice humana”.
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Acreditando-se que o copiloto Andreas Lubitz tenha sido o responsável pela queda do avião da Germanwings nos Alpes, em que estágio de depressão ele poderia estar? Qual é a sua atitude, como psicanalista, quando vê tendências suicidas num paciente deprimido?
“Sua pergunta já contém uma afirmativa: a de que o copiloto sofria de depressão. Entretanto, pelo que até agora foi divulgado, não há evidências de que ele sofresse de depressão. Aliás, esta é uma oportunidade para esclarecer o frequente erro em se acreditar que um diagnóstico psiquiátrico pode explicar os casos de violência individual contra multidões, tão frequentes nas últimas décadas. Vamos deixar claro que violência e doença mental são expressões semi independentes do comportamento humano. Não há nexo causal entre elas. Há doentes que não são capazes de fazer mal sequer a um inseto. Além disso, deprimidos não saem por aí matando dezenas ou centenas de pessoas. Nunca atendi um paciente deprimido que fosse perigoso para outrem. Muitas vezes perigosos para si, mas nunca para os outros. Pessoas violentas e perigosas podem ser doentes também. Talvez tenha sido o caso desse piloto.
Bem, dito isso, devo responder que frente a uma pessoa demasiadamente deprimida, com tendências suicidas, devemos procurar todo tipo de suporte social, além do tratamento especializado. Qualquer suporte social serve como fator de proteção. Família, outros parentes, amigos, conhecidos, ou até mesmo profissionais especializados no acompanhamento destas condições. Estar do lado da pessoa, solidário e sem cobranças, é a melhor maneira de se ajudar aquele que está deprimido. Lembrando sempre que a depressão tem tratamento e a pessoa volta a ficar bem, pois as pessoas que estão passando por uma depressão grave, com ideias de suicídio, tendem a achar que aquilo não é doença, que elas de fato se transformaram irreversivelmente para aquele estado, e não acreditam que possam voltar a ser o que eram antes”.
O suicida tem sempre uma intenção de vingança no seu gesto?
“O suicídio é um comportamento complexo. Quando nos referimos a complexo, dizemos que ele aflora, emerge, como resultado de muitos fatores concomitantes. Há inúmeros tipos de suicídio. Individuais e grupais. Seria uma extensão enorme neste espaço, se fossemos abordar a questão do suicídio, tamanha a complexidade. Mas devemos lembrar que há suicídios que são considerados honrosos entre seu próprio grupo cultural, como os homens bomba, ou kamikases. Por outro lado, há outros que são cometidos individualmente, como resultado de insuportável sofrimento e até mesmo sob a crença de que sua morte vai aliviar a “carga” que impõe aos demais, portanto, sem qualquer expressão de vingança”.
Esse episódio pode contribuir ainda mais para o preconceito em relação à depressão?
“Sem dúvida. Extremamente útil ter perguntado. É importante reconhecer que esse indivíduo cometeu um assassinato em massa, seguido de suicídio. Depressão não é causa, nem direta, nem indireta, desse tipo de comportamento. Portanto, não pode ser apresentado à mídia como justificativa causal para este ato de total bestialidade”.