Saiu no site do jornal Le Monde, na tarde desta quinta-feira (19/02), uma matéria do correspondente no Rio Nicolas Bourcier, intitulada “O carnaval do Rio rende homenagem a uma ditadura”. Logo abrindo a matéria, a frase: “E, no fim, foi o ditador que ganhou”. O texto, bastante didático, explica que o título da Beija-Flor suscitou críticas intensas na mídia e nas redes sociais, a ponto de alguns internautas, mais sarcásticos, terem previsto que o tema da escola em 2016 vai ser a Coreia do Norte ou o Estado Islâmico.
O jornalista prossegue dizendo que a África apresentada na pista do Sambódromo foi uma representação forte e feliz, numa coreografia luxuriante, transbordante de cores feéricas e carros alegóricos monumentais. “Uma estética e uma técnica que agradou aos jurados, pouco sensíveis aos aspectos éticos ou financeiros do desfile”, alfineta.
A matéria também conta que a assessoria de imprensa da escola, interrogada sobre o patrocínio de R$ 10 milhões dado pelo presidente da Guiné Equatorial Teodoro Obiang Nguema, respondeu à agência France Press que apenas recebeu “apoio cultural e alguns tecidos importados”. O repórter, bem atualizado, mencionou a intermediação das empresas Queiroz Galvão e Odebrecht, que operam na Guiné, na entrega do dinheiro, mas esclarece que é uma informação ainda não confirmada. O francês diz, também, que poucos assovios foram ouvidos à passagem da escola e que havia um rumor de que Obiang pai desceria até a pista – mas que o presidente preferiu ficar nos bastidores.
Já o site Jeune Afrique, começa por perguntar “O que fazem Obiang e a Guiné Equatorial no carnaval do Rio?” A correspondente Mélanie Ferreira fala da polêmica e diz que o interesse de Obiang pelo desfile no Sambódromo não é totalmente desinteressado.
Mélanie conta que, do lado da Embaixada, a versão do patrocínio é que foram dados menos de R$ 5 milhões para a Beija-Flor, a título de divulgação cultural – nesse ponto, a jornalista reconhece que o carnaval do Rio é mesmo uma bela vitrine, um dos maiores espetáculos do planeta.
E prossegue relatando que o filho de Obiang, que teria vários apartamentos no Brasil, participou, em 2013, do carnaval de Salvador, que prestou homenagem à Guiné Equatorial. Ela afirma que, nesse mesmo ano, começaram as negociações da escola com o país africano: a Beija-Flor foi convidada a desfilar na África, por ocasião do 45º aniversário da independência guineense.
Por trás da operação de promoção cultural, diz ainda o texto, se desenha a influência crescente desse pequeno país africano nos países lusófonos: desde a metade de 2014 a Guiné Equatorial, terceiro maior produtor de petróleo na África, entrou para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Segundo a embaixada da Guiné em Brasília, criada há 10 anos, diz Mélanie, “o Brasil, sob o comando de Lula, se tornou o principal parceiro econômico do país, no setor de agricultura e construção civil principalmente”. A repórter também revela que existem programas sociais na Guiné inspirados nos brasileiros, como o “Rodovia para todos”, “Água para todos” e “Uma casa para todos”.
Entre 2003 e 2013 as trocas comerciais entre a Guiné Equatorial e o Brasil saltaram de US$ 3 milhões para US$ 700 milhões. Uma linha aérea direta foi criada entre São Paulo e a cidade de Malabo para facilitar os deslocamentos entre os dois países. A correspondente finaliza o texto dizendo que os dois países “caminham na trilha da felicidade”, como a expressão contida no primeiro verso do hino guineense e que está no título do enredo da Beija-Flor.