Protestos pacíficos em Nova York, surgidos em várias localidades de Manhattan esta semana, mobilizaram até um pronunciamento do presidente norte-americano Barack Obama sobre a questão da impunidade dos policiais brancos em relação à violência contra vítimas negras. Se no país tido como a maior democracia do Ocidente o entendimento racial anda tenso, procuramos a jornalista Glória Maria para saber como vai o racismo no Brasil.
Primeira repórter negra de projeção na TV, em 1976 Glória processou um hotel (fazendo uso da Lei Afonso Arinos) depois de ter sido impedida de entrar pela porta da frente e orientada a usar o elevador dos fundos.
A jornalista é mãe de duas meninas negras: Laura e Maria.
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O que mudou no Brasil desde a década de 70 com o racismo?
“Nada mudou com o racismo nem na década de 70, nem 80, nem 90, nem em década nenhuma. O sentimento é o mesmo; o que mudou foi a maneira de exercitarem o racismo – as pessoas são mais discretas, disfarçam, apelando para o politicamente correto. É mais sutil. E não acaba nunca, enquanto existir gente e sentimento no mundo, enquanto as pessoas não forem sábias e cultas vai existir discriminação, que é a face aparente da ignorância humana. Convivemos com a pobreza de classificar alguns pela cor da pele. Sempre existem acontecimentos que muitas vezes não são claros, mas quem é negro percebe num piscar de olhos as situações discriminatórias. Existem muitas no dia a dia. Recentemente estive na Suécia. Lá tem muito mais negro na TV do que no Brasil. Aqui é que mais parece mais uma TV sueca, não existe mistura”.
Por que você não costuma namorar negros?
“Já namorei negros, sim, só que não são conhecidos. Os negros famosos estão casados com mulheres brancas. Isso é sutil, hipócrita e nojento”.
Você orienta suas filhas com relação ao racismo?
“Ensino às minhas filhas que tem gente de todas as cores e todo mundo é igual. Tento prepará-las pra vida, ao contrário de mim, que não fui orientada. Onde elas vão só tem brancos, são como estranhas no ninho, mas, por serem muito crianças ainda (4 e 5 anos), não percebem. Dia desses, quando fomos ao aniversário do Roque (filho da Regina Casé), com metade dos convidados brancos e metade negros, a Laura disse: ‘Aqui tem um monte de gente igual a gente, não é mamãe?’ As bonecas negras delas são francesas, americanas, suecas, porque bonecas negras brasileiras, simplesmente, não existem”.