Eu quero que o Amor me pressinta, à distância, não me perca de vista e em nenhuma hipótese me deixe escapar, assim como o flanelinha faz comigo, onde quer que eu estacione.
Que, em caso de rompimento, o Amor volte para mim com o mesmo ímpeto com que a fita durex volta para o rolo, sem deixar qualquer marca de que algo tenha se rompido um dia.
Eu quero que o Amor me procure o dia inteiro, todos os dias, e insista, obstinadamente, e jamais desista de mim, como fazem os golpistas nas ligações pelo celular.
E que as inevitáveis dores do Amor me ignorem, me esqueçam e se mantenham inacessíveis, como a (suposta) gerente da minha conta no Itaú.
Que o Amor seja infinito, como sessão de tratamento de canal, subida atrás de um caminhão na serra de Friburgo, créditos de abertura de filme indiano, áudio de alguns amigos no WhatsApp.
Que meus dias sem o Amor passem tão rapidamente como uma consulta médica pelo meu plano de saúde – e com ele junto a mim se arrastem como as horas na sala de espera para a mesma consulta.
Que o Amor fale sempre mais alto, como o instrutor de tênis na quadra do condomínio. E seja forte como o cheiro de manteiga rançosa nas estações de metrô e me pegue de jeito como a virose da semana passada.
Eu quero que o Amor me invada por todos os poros, como a poeira da obra aqui ao lado. Me tire do prumo, como a poltrona (em tese, leito) do ônibus da Buser. Me acelere o coração, como quando passo pela Linha Amarela. Me tire o apetite, como quando na comida tem pimentão.
Que o Amor me arrepie, como quando entro na Fast Shop, e o ar condicionado está em modo “Era do gelo”. Me faça suar frio, como quando a dra. Stefânia encaminha o pedido de uma colonoscopia. Me deixe sem chão, como quando — pela enésima vez — o elevador dá um solavanco e eu fico preso, com os cachorros, até que chegue alguém da manutenção. E me faça perder o controle — e ter que comprar outro, se quiser terminar de ver “Magnatas do crime”, na Netflix.
Eu quero que o Amor me surpreenda, como a fatura do cartão de crédito. Me tire do sério, como o atendimento do Zona Sul e do Guanabara. Me faça perder o fôlego, como quando tenho de subir ou descer nove andares de escadas, porque o elevador parou de vez, está quebrado. E me queime por dentro, como se eu tivesse comido um acarajé. Me ponha um brilho nos olhos, como o Hyabak diário contra o ressecamento ocular. Me aperte o peito, feito aqueles momentos em que só o dinitrato de isossorbida salva.
E não me abandone uma noite sequer, como a insônia e a vizinha de cima, arrastando móveis madrugada adentro.