As mudanças tecnológicas estão sendo, a cada dia, mais intensas na vida das pessoas. Dentre as várias inovações utilizadas diariamente, como os computadores e os smartphones, foi criada uma ferramenta que revolucionou não apenas a forma de interação das pessoas como também o mundo, mais especialmente, as relações interpessoais, que foram as redes sociais.
A primeira rede social utilizada em larga escala e que ficou famosa mundialmente foi o Orkut, cuja versão em português foi lançada há mais de 15 anos. Nessa época, poucos imaginavam como essas empresas poderiam tornar-se poderosas e influenciar a vida das pessoas, muito menos, como os dados pessoais poderiam ser coletados e utilizados para mudar os rumos do mundo.
No engatinhar das recém-nascidas redes, notavam-se os primeiros passos do que viria a ser a massiva exposição virtual, com depoimentos públicos de amigos, postagens de fotos pessoais, comentários em conteúdos e outras ações, tudo realizado dentro daquela plataforma.
É curioso notar que, apesar de terem se mantido um serviço gratuito e sem produzir nenhum conteúdo — uma vez que são os próprios usuários que publicam e alimentam estas plataformas —, as redes sociais passaram a ter um alto valor de mercado, como no caso do Facebook, que, no ano de 2021, foi avaliado em cerca de 750 bilhões de dólares. Assim, fica sempre a grande pergunta: afinal, como foi possível enriquecer ao longo dos anos, sem cobrar nada dos usuários?
A questão é que, aos poucos, percebeu-se que o usuário, ao utilizar tais plataformas por tantas horas, interagindo com o conteúdo publicado, com os demais usuários, realizando publicações, check-ins, likes etc., estaria fornecendo uma gigantesca gama de informações pessoais, sociais e até íntimas, e que esses dados relevantes, uma vez coletados, poderiam possuir grande valor no mercado.
Assim, os milissegundos em que o usuário visualiza cada foto, as publicações que são curtidas ou compartilhadas, as selfies publicadas, as palavras-chave escritas/monitoradas ou até a reação corporal (como microexpressões faciais ao olhar e reagir a um conteúdo na tela), passaram a ser coletadas, cadastradas, organizadas e comercializadas.
Maximizando esse cenário de evolução das redes sociais, nota-se, também, o crescimento na quantidade de usuários dessas ferramentas, bem como do tempo que se permanece navegando dentro dessas plataformas, além de uma dependência delas. Para exemplificar essa situação, alguns afirmam que a timeline sem fim equipara-se a uma sopa de prazeres infinitos, levando os usuários a ficar horas e horas navegando nas redes sociais, sem nunca chegar a um fim.
Assim, em razão de tal realidade — que contempla essa enorme utilização pelos internautas, tanto pelo número de usuários como pelo tempo conectado, bem como pela coleta de dados pessoais realizada —, as redes sociais tornaram-se gigantes bancos de dados de informações sobre a vida e as preferências dos usuários, transformando-se, dessa forma, em plataformas extremamente poderosas e valiosas. Desnecessário lembrar que informação é poder, de modo que dados coletados são informações que resultam em poder para quem os detém, neste caso, as próprias redes sociais.
Com relação aos dados coletados, estes são utilizados de incontáveis maneiras, além de terem se tornado importantes ativos de propaganda, para realização de um marketing digital mais assertivo, uma vez que, com eles, é possível fazer o direcionamento para se atingir um maior êxito nas vendas de produtos, induzindo o destinatário dessa publicidade (dirigida e pessoal) ao consumo. Isso tudo com base nas informações coletadas, que, como dito, possuem todos os detalhes de preferências, gostos e buscas, revelando, desta forma, os interesses dos usuários.
É por tudo isso que, após tantos anos coletando as informações de seus usuários, o Facebook já conta com um banco de dados com informações de, aproximadamente, 1/7 da população mundial, sendo que, esse repositório de dados contém informações sobre tudo o que o usuário escreve, de suas fotos ou vídeos publicados, das “curtidas” na rede, dos compartilhamentos, tudo que consulta, por onde navega, de sua identidade, geolocalização e uma infinidade de outras informações importantes.
Além disso, o poder das redes sociais não se limita ao estudo, catalogação e distribuição/comercialização de todos esses dados coletados, o que já seria assustador. Pode também influenciar a opinião pública, pois, munidos desses dados, as redes sociais podem entregar um conteúdo específico, pessoal e personalíssimo para cada usuário, fazendo com que determinados conteúdos tenham mais engajamento e alcance; portanto, podem, até mesmo, interferir nas escolhas e opiniões da população, inclusive em eleições.
O Poder das redes sociais fica escancarado, especialmente quando observada a decisão tomada, há alguns anos, pelo Facebook de banir o então presidente dos EUA, Donald Trump, de sua plataforma. Trata-se, nada menos, do que a exclusão do perfil de uma das pessoas mais poderosas e influentes do mundo. Assim, verifica-se também o domínio dessas plataformas de remover perfis e engajar conteúdos de quem quer que seja.
O fato é que o Facebook também virou uma plataforma de consumo e divulgação de notícias jornalísticas ou informações não oficiais, tornando-se um campo fértil para a propagação de fake news.
Foi nesse cenário absurdo de ausência de controle e grande acúmulo de informações dos usuários, que se verificou a necessidade de se estabelecerem regras que pudessem, no interesse público e dos próprios usuários, limitar a coleta das informações e dados pessoais, a fim de que, caso não seja autorizada pelo internauta, suas informações não possam ser coletadas e utilizadas, especialmente para fins econômicos, tecnológicos ou políticos.
Em tempos de proteção de dados pessoais, uma afirmação ganha relevo: se você não paga pelo serviço ou pelo produto, o produto é você. Trata-se de alusão à remuneração das redes sociais, que são “gratuitas” aos usuários, e transformam os usuários no próprio produto de seu interesse. Fica, assim, cristalino que essas redes são “remuneradas” através da coleta de dados de seus usuários e de sua possível comercialização final.
Daí vem a importância da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, no Brasil. A LGPD, Lei nº 13.709/18, foi promulgada em agosto de 2018, e sua vigência teve início em setembro de 2020. No entanto, lembra-se que as punições às empresas, aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, em razão do descumprimento das disposições dessa lei, apenas foram efetivadas em agosto de 2021.
Dessa forma, com o advento da LGPD, uma luz de esperança se acende, pois, em um mundo de absurda e desmedida invasão de privacidade, através da coleta exagerada de dados, bem como de usuários que não se atentam aos riscos dessa situação e nem sequer observam os termos de usos das redes sociais que utilizam, o advento de uma regulamentação que tenta regrar e diminuir esta exacerbada coleta é extremamente bem-vinda, especialmente visando a exigir mais transparência e menos exageros.
Portanto, uma nova cultura se avizinha com o empoderamento dos usuários das redes sociais, que devem lutar por seus direitos, especialmente por um regramento claro, de como pode se dar a coleta e a utilização de dados pessoais, desde que autorizadas e realizadas no mínimo necessário para a atividade daquela empresa, sempre com absoluta transparência. Isso certamente decorrerá de leis de proteção de dados e de regramentos claros que disciplinem as autorizações de captação de dados. Novos tempos estão por vir.
Luiz Augusto Filizzola D’Urso é advogado especialista em Direito Digital e Cibercrimes, professor de Direito Digital no MBA de Inteligência e Negócios Digitais da FGV, presidente da Comissão Nacional de Estudos dos Cibecrimes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM) e coautor da Obra “Comentários à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais”.