A dismorfia corporal, também conhecida como Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), é um transtorno mental que afeta a percepção que a pessoa tem da sua aparência física.
Não sei se voz pode ser incluída no quesito “aparência física” (acho que não), então eu criaria o TDV, Transtorno Dismórfico Vocal.
Temos gravado, de vez em quando, os encontros da Oficina Literária (para que os ausentes possam ter acesso aos temas tratados) e outro dia caí na asneira de assistir a um dos vídeos. O vídeo em si era o de menos – o áudio é que são elas.
Aquele cara falando feito o homem da cobra (se alguém não souber o que é “o homem da cobra”, sugiro morar no interior de Minas nos anos 70 para conhecer a peça) sou eu – mas aquela voz não é a minha.
Eu não falo naquele tom. Nem naquela velocidade. Quando converso, não é assim que me ouço. Será que é assim que me ouvem? Ou a I.A. andou me dublando, e se esqueceu de me informar?
Pesquisei a respeito: a voz que ouvimos ao falar viaja pelos ossos da cabeça, o que a deixa mais grave. E é transmitida ao cérebro de forma diferente daquela que vem de fora.
Minha voz, que sempre reputei razoavelmente agradável, é uma fraude. Um autoengano. Um jeito que meu cérebro (em conluio com a caixa craniana) encontrou de me poupar de mais um sofrimento. E, claro, de me manter falando, não recolhido a um obsequioso silêncio em respeito aos tímpanos alheios.
Tampouco sou eu a imagem que surge quando a tela congela, de repente. Aparece ali um avatar, um íncubo – demônio vagamente semelhante a mim, que tenta se apropriar da minha alma com fins inconfessáveis. A boca está sempre torta, os olhos jamais simétricos. Há um quasímodo na tela, que se metamorfoseia de novo em mim quando a imagem recupera o movimento.
Começo a pensar que posso ter passado a vida inteira numa Matrix, achando que era minha a voz – entre o barítono e o baixo — que me acostumei a ouvir, filtrada e equalizada por um condescendente ProTools interno.
E o golpe de misericórdia na autoimagem veio há pouco, num posto de expedição da Polícia Federal. Será que me veem como aquele sujeito que encontro todos os dias nos espelhos do banheiro, do carro, do elevador, ou como esse que surgiu – mal apanhado, malfeito, disconforme — na foto do passaporte?