Em 2010, o ator e produtor Felipe Lima me procurou para escrever um texto onde a ideia era falar de uma família que tivesse um filho, criança, em situação hospitalar. A partir daí, eu comecei a fazer uma grande pesquisa, conversei com médicos; eu mesma já tinha sido integrante do projeto Enfermaria do Riso, quando estudava na UNIRIO. Foi um processo de muitas leituras entre mim, ele e a diretora Susana Garcia (que seria a diretora original).
A gente foi lapidando e eu escrevendo essa história, que hoje se chama “O Poeta Aviador.” O que mais me tocou ao escrevê-la é que a ideia nunca foi falar sobre uma doença — sempre foi falar sobre como o afeto pode transformar uma pessoa e pode ajudar na cura, como a escuta, a valorização do tempo presente podem fazer transformações potenciais na vida de uma família. Por isso, o contraste é importante no texto.
Essa família, a princípio, é muito sem escuta, muito egoísta em relação ao filho Lucas. A peça é para mostrar a jornada de transformação do pai e da mãe. A ponte entre eles é o personagem Rafa, um voluntário do hospital e, que, por ter perdido um irmão no passado, entendeu a importância de estar presente para as novas crianças que ele passou a visitar depois da morte desse irmão. Os pais sentem ciúmes do Rafa, mas entendem, aos poucos, que o filho se conecta verdadeiramente com esse voluntário, o que pra eles é muito estranho porque não é alguém da família. E vão entendendo que eles são muito mais distantes do seu filho do que uma pessoa que não é da família. É aí que a chave vai começando a mudar, principalmente a chave do pai, que é uma pessoa muito preocupada com sua crise no trabalho, que gera crise financeira e no casamento.
Ele deixa de viver o presente, está sempre vivendo o futuro. E quando o filho pergunta, em uma das cenas, se ele sonha, ele fica muito incomodado, não entende o alcance dessa pergunta, mas, no fundo, algo começa a mexer dentro dele, até que vem a cena final: tudo que o Lucas, o nosso protagonista, quer é um abraço do pai. Na verdade, cada cena da peça é um degrau para chegar a esse abraço. Quando terminei, fiquei arrebatada porque também me transformei. Gosto de criar histórias que falem com todos. Todo mundo tem um momento de perceber aquilo a que deve dar valor. Outro dia, uma pessoa me disse: “Essa peça é um abraço”. Acredito que essa é a principal mensagem do espetáculo: a de que o afeto é revolucionário.
Depois da conclusão do texto, Felipe já estava seguindo por outros caminhos, e eu acabei ficando com o projeto. Entre 2010 e 2014, foram muitas idas e vindas. Tiveram momentos em que eu peguei o projeto para dirigir, momentos em que eu entreguei o projeto para outra pessoa dirigir e até momentos de desistir dele. Até que, na pandemia, em 2020, entendi que deveria realmente investir nessa peça. Era um momento muito difícil que o mundo passava e eu achava que era hora de voltar com esse projeto para falar de afeto. Então montei esse elenco e chamei minha parceira Priscila para dirigir comigo; juntas, começamos a saga de ir atrás de editais. Estou feliz de finalmente, em 2024, estrear na minha cidade e poder levar essa história, finalmente, para o público.
Renata Mizrahi é roteirista, dramaturga e diretora. Está comemorando 25 anos de carreira e estreou “O Poeta Aviador” no Teatro do Planetário, na Gávea, até sábado (31/08). Renata ganhou o Shell de Melhor Texto, em 2015, por “Galápagos”. Também foi uma das roteiristas da série “Os Homens São de Marte…”, do GNT. No novo espetáculo, ela fala sobre uma família disfuncional que precisa lidar com as próprias questões quando o filho fica doente.