Ambientalistas dizem que a vida na Terra pode desaparecer por causa do aquecimento global.
Conservadores acreditam que será em consequência do casamento homoafetivo, dos meninos vestindo rosa e da linguagem neutra.
Progressistas estão convictos de que o fim dos tempos decorrerá da internet sem censura, da masculinidade tóxica e do uso da expressão “criado mudo”.
Léo Jaime conjecturava, já nos anos 70, que o mundo ainda vai acabar por falta de verba.
Minha teoria é outra.
Quatro cavaleiros vão chegar avisando, em uníssono:
— Ouvi, mortais, o langor das trombetas que ressoam nos ares. Vimos advertir-vos do desenlace dos tempos. Preparai-vos, pois o Apocalipse se avizinha, e a Terra será tomada por calamidades perenais.
— A vizinha de quem? — perguntará um.
— Show da banda Calypso? — indagará outro.
— Langor perenal é aquela doença que pega se não usar camisinha, não é?
Um dos quatro arautos se destacará:
— Eu, o Cavaleiro Branco, sou o Conquistador. Com meu arco e minha coroa, trago-vos a guerra santa, impondo domínio e caos sobre todos os reinos da terra. Nações se levantarão contra nações, e a humanidade conhecerá a fúria da conquista. Marcharão os exércitos, e o sangue dos inocentes e dos culpados se amalgamará no campo de batalha. Nenhuma fortaleza permanecerá intocada, nenhuma cidade estará a salvo de minha marcha implacável.
— Ainda bem que é só em Fortaleza…
— Não conheço essa marcha, “Implacável”. Duvido que tenha feito o mesmo sucesso de “Mamãe eu quero” ou “Aurora”.
— Se trouxe a coroa, não vai adiantar ter trazido o arco, porque duvido que ela deixe ele beber…
— Lá vem o branco, se achando o conquistador, com esse papinho que “a Malga amará”. E ainda dando carteirada que é do Exército. Fascista! Racista! Machista!
Adianta-se agora o segundo:
— Eu, o Cavaleiro Vermelho, sou a Guerra. Empunhando meu gládio, semearei discórdia entre os povos. O ódio e a violência tomarão cada coração, e irmão se voltará contra irmão. As ruas serão palcos de conflitos sangrentos, e o terror se tornará uma constante em vossas vidas. Arderá o lume da destruição em cada esquina, e os brados de desespero serão a sinfonia que acompanhará a queda de vossa civilização.
— Essa coisa de irmão contra irmão não me atinge. Sou filho único, graças a Deus.
— Palco? Sinfonia? Uma chatice, isso. Tô fora.
O terceiro toma a palavra:
— Eu, o Cavaleiro Negro, sou a Fome. Com minha balança, trarei a escassez e a miséria. Murcharão os campos, e os celeiros ficarão vazios. O pão se tornará um luxo inalcançável, e a fome corroerá os corpos e as almas. Definharão as crianças nos braços de suas mães, e os fortes se tornarão fracos diante da implacável necessidade. O desespero da privação vos levará à loucura, e devorar-vos-eis uns aos outros na luta pela sobrevivência.
— Devorar quem? Quem é Vuzei?
— Logo vi que era neoliberal. Só podia ser. Falando em balanço, luxo, privatização…
— Preto, fome, miséria, luta pela sobrevivência. Esse povo não tem outro assunto não, é? Só falta falar que é racismo estrutural.
Por fim, o quarto emissário ergue a voz:
— Eu, o Cavaleiro Pálido, sou a Morte. Acompanhado pelo Inferno, ceifarei as vidas dos que restarem. Peste e enfermidades espalhar-se-ão como fogo em palha seca, e ninguém escapará à gelidez do meu toque. Transformar-se-ão os campos e as cidades em vastos cemitérios, e correrão os rios rubros com o sangue dos caídos. Envolver-se-á vosso mundo em sombras, e o silêncio dos mortos será mais ensurdecedor que qualquer grito.
— Espalhar Sião, transformar Sião, envolver Sinhá… Essa gente só sabe fazer fofoca. Eu, hein!
Os quatro cavaleiros hão de se entreolhar, perplexos, porque ninguém deu a mínima.
O tempo da redenção se esgota, e é tarde demais para qualquer arrependimento. O Apocalipse começa, e pega todo mundo de surpresa.
Sim, o mundo vai acabar é por falta de interpretação de texto.