As consequências por décadas de descaso e crescimento a qualquer preço, com progressiva concentração de riquezas nas mãos de alguns milhares de afortunados, já vinham sendo cantadas por quem estuda o tema climático faz mais de 30 ou até mesmo 50 anos.
Naqueles tempos, nos anos 70 e 80 do século passado, os pesquisadores que alertavam, ainda que de forma tímida, em circuitos principalmente acadêmicos, meio envergonhados por pedir mais cautela com o crescimento a qualquer preço e maior atenção com o clima, eram taxados como catastrofistas pelos poderosos interesses contrariados. Dessa forma, vários deles foram calados.
O tempo passou, e as pesquisas foram se intensificando junto com as evidências climáticas do passado e do presente, mostrando que os mecanismos de homeostase climáticos estavam sendo duramente impactados, quase que sabotados das mais diferentes formas, e que a principal consequência disso seria a mudança do padrão climático conhecido. Destaca-se que a civilização como a conhecemos é produto da estabilidade e da previsibilidade climática em que, por meio desse estado e conhecimento, várias civilizações floresceram, sendo que muitas pereceram por conta, justamente, de mudanças climáticas não previstas ou pelo abuso em relação ao uso até o esgotamento dos recursos naturais.
Somos conhecedores de toda essa crescente bagagem de informações científicas. No entanto, simplesmente, continuamos pisando fundo no acelerador, emitindo cada vez mais gases a cada reunião para se debaterem medidas sobre como, quando, quem e de que forma se paga para controlar o monstro que criamos e que insistimos em alimentar, ano após ano, além, é claro, de muito turismo e negócios nas sedes dos encontros. Afinal ninguém é de ferro!
Aqueles que eram taxados de catastrofistas-alarmistas, atualmente, são considerados otimistas visto que os prazos previstos para se consolidarem os tais extremos climáticos, coisa que aconteceria entre 2050 e 2100, estão explodindo na nossa cara por todos os cantos do Planeta, seja por ondas de calor jamais vistas, seja por enchentes bíblicas.
Nunca irei esquecer matéria da revista Carta Capital de 3 de março de 2004, com a seguinte capa: “Aquecimento Global — O APOCALIPSE BATE À PORTA — estudo do Pentágono alerta: Mudanças no clima ameaçam o mundo com enchentes, guerras, fome e pestes antes de 2020”. Erraram por pouco! Ou a turma do Pentágono conta com videntes, ou levaram as pesquisas científicas a sério.
Portanto, tudo que está acontecendo — ondas de calor atingindo sensação térmica de 60 graus centígrados em Guaratiba, no verão passado; tragédias com precipitações e inundações bíblicas na região serrana no Rio de Janeiro, litoral norte de São Paulo e atualmente em todo o estado do Rio Grande do Sul, sem mencionar demais tragédias em outros países — eram fatos considerados certos de acontecer. Nada, absolutamente nada de novo para quem não assumiu a estratégia do avestruz.
Novo seria se a sociedade percebesse que a “festa” climática acabou e que, a continuar selecionando, a cada eleição, administradores públicos geralmente preocupados com seus projetos pessoais, considerados salvadores da pátria, sem dar a devida atenção ao monstro que criamos, seja por ação e principalmente omissão, as tragédias continuarão a se intensificar em magnitude, vítimas, extensão e periodicidade, pondo em risco a viabilidade existencial urbana de várias regiões do Planeta. Simplesmente, o custo de reconstrução em áreas vulneráveis às ações climáticas extremas irá inviabilizar sua recuperação e reocupação.
No caso brasileiro em particular, um país de biodiversidade invejável, a cultura do pau-brasil, de usar até acabar, de obter o máximo no menor prazo possível, é marca da relação homem/natureza. O resultado mais escrachado disso é o estado moribundo da maioria das bacias hidrográficas metropolitanas, ocupadas de forma desordenada, usadas até o esgotamento para os mais diversos fins, principalmente aquele incompatível com qualquer tipo de desenvolvimento, que é o do destino final de milhões de metros cúbicos de esgoto sem tratamento, em pleno século XXI.
Não estudamos e simplesmente não passamos de ano. Simples assim, sendo que o produto “tempo” não está mais disponível na prateleira de opções para evitarmos os extremos climáticos que já são uma realidade há alguns anos. Não há mais tempo para desviar o poderoso e supostamente “inafundável titanic civilizatório” do iceberg climático. Já trombamos nele, o navio está afundando, e ainda tem gente dançando e comendo caviar, preocupada com o próximo samba-enredo do carnaval 2025.
O que precisamos fazer é, na verdade, entrar em recuperação e fazermos o dever de casa: nas próximas eleições, buscar o que há de melhor na classe política antenada na nova realidade ambiental, exigindo dessa turma, a já eleita e a que será eleita, planos factíveis de prevenção contra as catástrofes que já estão em linha de produção para os próximos meses e anos. Falta de dinheiro não tem! O que sempre houve, há muitas décadas, é falta de prioridade e qualidade nos investimentos com dinheiro público e excesso de impunidade.
Escrevi algo de novo? Que eu me recorde que tenha escrito sobre as tragédias nos últimos 30 anos, não!
O problema não é naquilo que eu escrevo e como escrevo. O problema é quem lê e não reage de alguma forma, seja da forma que for, mesmo que apenas fugindo.
Portanto, cada um que acredite no que quiser, mas apenas ore para não estar no lugar errado e na hora errada, quando o extremo climático encontrá-lo, seja ele qual for.