Diante do excesso de informação no mundo atual, é libertador olhar para trás.
Outro dia, encontrei um amigo que dá aula de História da Arte numa faculdade americana. Perguntei a ele, no melhor estilo “de colega para colega”: “E aí, que artistas têm chamado sua atenção?”. Esperava ouvir algum nome do momento ou de um artista desconhecido, que eu correria pra pesquisar. A resposta dele me surpreendeu: “Tenho estudado arte bizantina”. A afirmação veio acompanhada de uma cara de quem está cansado de tentar acompanhar o mundo contemporâneo. Seu olhar sugeria uma espécie de burnout das artes.
Recentemente senti algo parecido. Por morar e trabalhar com arte em Nova York, há quase 20 anos, muita gente me pede dicas de exposições. Nos últimos tempos, minha vontade tem sido dizer “vá ao Metropolitan Museum!” É o museu mais enciclopédico da cidade, o maior das Américas e o quarto maior do mundo. São 5 mil anos de História e mais de 1,5 milhão de obras de todos os cantos do Globo.
Meus amores do momento são El Greco e Rembrandt. Apesar de estudar História da Arte desde a adolescência, foi preciso dançar, sorrir, chorar e levar umas rasteiras da vida para aprender, de fato, a gostar deles. Com o teor dessa bagagem, a gente ganha mais empatia, olha com mais paciência, se comove com o que antes apenas parecia antigo ou estranho.
Vendo o documentário “Dries”, sobre o estilista belga Dries van Noten, adorei ouvi-lo sugerir o seguinte: “Busque inspiração nas coisas de que você não gosta”. Essa ideia me interessou profundamente: ver beleza na feiura, tentar gostar do que, a princípio, a gente “já sabe que não gosta”, se colocar no lugar do outro, buscar pensar por uma nova perspectiva. Talvez aquela que era exatamente oposta à sua dois minutos atrás.
Quando eu tinha 20 anos, curtia os artistas modernos – em especial, o dinamismo multicolorido de Matisse, as pinceladas apressadas dos impressionistas e as sobreposições de Vuillard. Hoje, mais de 20 anos depois, tenho me sentido atraída também pelo que antes só me parecia esquisito, muito sóbrio e denso, feio até. Há uma sala no Met (número 619 para os mais curiosos), que tem me animado muito.
Nessa miniexposição, pinturas de El Greco estão cercadas por obras feitas 300 anos depois dele — de Picasso, Cézanne e Max Beckmann. A revelação é clara: foram necessários séculos para que o artista grego tivesse seu devido reconhecimento. Foi finalmente consagrado por artistas de um outro tempo, incorporado por outras gerações que jamais poderiam tê-lo conhecido ao vivo. A mensagem foi efetiva para mim; há coisas que tomam tempo. É preciso parar – e viver – para ver. Olhar para trás para andar para frente. Lembrei-me do meu amigo professor.
Foto: Ana Pigosso
Gisela Gueiros é brasileira; vive em Nova York desde 2007. Mestre em História da Arte, formada pelo Sotheby’s Institute of Art, além de organizar visitas guiadas em galerias e museus desde 2013 e ter sido educadora no museu Guggenheim, de NY, Gisela esteve à frente de Projetos Internacionais na Galeria Millan. Em 2021, fundou a Gisela Projects, sua galeria de arte itinerante, que conta com um time internacional de artistas.