Nosso primeiro carro foi um Aero Wyllys.
Fazia jus ao nome: parecia mesmo uma aeronave. Tudo bem que uma aeronave vintage, mas, à época, tinha o jeitão aerodinâmico de algo que, equipado com asas e turbinas, poderia mesmo voar.
Nosso segundo carro foi uma Rural, também de sobrenome Wyllys.
Não deixava a desejar quanto ao nome de batismo: verde, robusta, feita para quem morava na roça.
Asfalto era coisa de seriado americano ou de cenários igualmente inalcançáveis, como São Paulo e Rio de Janeiro. E lá íamos nós na Rural, morro acima, morro abaixo, na lama, no cascalho.
O terceiro foi um Volkswagen – e o nome não poderia ser mais acertado: Volks + Wagen = carro do povo.
Houvesse marqueteiros à época, teriam-no chamado de Pop, por ser o carro mais popular que poderia haver – mas talvez a palavra ainda não tivesse sido inventada.
Volks (“fólcs”) virou “fusca” e foi no fusquinha que viajamos – no asfalto! – pela BR-3, pela então Rio-Brasília, rumo ao cerrado ou (espremidos – pai, mãe, cinco filhos, caixas de isopor, latas com frango e farofa, e, eventualmente, a empregada) a caminho da praia. Mais povão, impossível.
Dar nome a carro já foi coisa séria.
Como tinham sei lá quantos cavalos no motor, fazia sentido serem Corcel ou Mustang – fossem eles cor de mel ou cor de sangue.
Se serviam de meio de transporte, nada mais lógico que chamá-los de Caravan, Voyage, Journey, Cruiser, Strada, Saveiro, Corsa.
Iam de um lugar a outro? Então que fossem Brasília, Ipanema, Parati, Marajó. Ou Montana, Malibu, Tucson, Dakota. Monza, Elba, Siena, Verona. Pampa, Creta, Córdoba Ibiza, Chambord.
Eram umas joias? Que se chamassem Opala, Cobalt, Onix, Zafira.
Enormes, com espaço de sobra para nomes quilométricos? Dá-lhe Alvorada, Esplanada, Itamaraty. Encolheram – ou melhor: ficaram compactos? É Fit, Fox, Gol, Ka.
Mas de uns tempos pra cá a turma que dá nome a carro derrapou feio, avançou o sinal.
Começou com Wrangler, Commander, Defender, Duster, Outlander – uma coisa cheirando a excesso de testosterona, mais para Indiana Jones que para 007 (que iria melhor num Astra, num Galaxy, num Civic, num Royale).
Outro dia, a Helena (um doce de pessoa) me deu carona – e não pude deixar de notar o nome do carro: Renegade.
Uma linha perigosa é ultrapassada quando uma empresa assume chamar um de seus produtos de renegado. O que virá a seguir?
O Mitsubishi Murder. O Honda Kidnapper. O Hyundai Betrayer. O VW Pervert. O Bloodbath da Chevrolet. O Carnage, da Renault. O Vaffanculo, da Fiat.
Se eu não trocar logo de carro, talvez tenha que escolher entre um Massacrer Hatch ou um Exterminator Sedan. Isso se não sair da concessionária com um Serial Killer vermelho, 2.0.
SUV, naturalmente.