A primeira vez que vim passar férias no Rio, me apaixonei imediatamente. Foi em 2008, e vi pelo olhar de um estrangeiro que pensa, principalmente, em samba e carnaval quando imagina o Brasil.
Imediatamente me senti em casa, especialmente pela diversidade de pessoas, calor humano: aqui posso ser eu mesma. Trabalho como correspondente da mídia holandesa. Na época, morava no Suriname, país vizinho do Brasil, onde moram algumas das minhas raízes. Mas muitas coisas aconteceram no Brasil em períodos como a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Olímpicos de 2016 e havia um sentimento de otimismo.
Vi um futuro aqui e por isso me mudei com meus filhos, em 2011. Consegui construir uma vida e um trabalho no Rio. A adaptação deu certo, acho que os brasileiros são pessoas muito especiais. Rapidamente fiz amigos e me conectei com a cultura. Agora que moro aqui, notei coisas que não tinha visto antes. Na tevê, vi poucos jornalistas negros e também poucos atores negros nas novelas, ou que tinham um papel subordinado. Mesmo quando fui a uma coletiva de imprensa ou estava em Brasília a trabalho, no Congresso como jornalista, via principalmente brasileiros brancos. Mas por quê? Faço essa pergunta inicial em uma série documental “Da Bahia ao Brooklyn, história do Caribe”, de sete episódios que fiz para a televisão holandesa em 2023 e que agora também está sendo exibida em diversas cidades do Brasil, como no Rio.
A Holanda foi um dos países com muitas colônias. Na escola de lá, onde cresci, aprendi pouco sobre a história da escravatura. Aprendi sobre as conquistas dos holandeses com seus navios nas Américas. Somente nos últimos anos, os Países Baixos começaram a olhar para o outro lado, nomeadamente o que a colonização significou para os povos indígenas e negros que foram trazidos da África como escravos.
Como seria nos países onde a colonização realmente ocorreu, perguntei-me? Qual é o impacto do passado colonial nas sociedades de hoje? E o que liga os vários países e ilhas das Américas a esta história?
Por exemplo, no Brasil, para onde foram trazidas milhões de pessoas escravizadas, no bairro Pequena África, na Gamboa, a história de Dona Mercedes me marcou muito. Durante uma reforma, ela descobriu ossadas, que ela pensou que eram ossos de animais, mas na verdade eram ossos humanos, e ela descobriu que estava morando em um cemitério de escravos. Em Salvador da Bahia, uma jovem negra, Laura, me contou que um dia decidiu usar o cabelo natural. Houve uma ocasião em que ela estava sentada no ônibus com o cabelo solto e uma criança entrou com a mãe. A menina começou a chorar ao olhar para a Laura e disse que o cabelo dela a assustara. Certamente um acontecimento doloroso que a comove até hoje. Pensei na minha filha que cresceu no Brasil e tem cachos lindos. Ela agora estuda na Holanda. Recentemente, ela me contou que quando criança, no Brasil, sofreu bullying por causa de seu cabelo. Fiquei triste por só ter escutado ela falar agora, mas também pensei: como é possível que num país com maioria de negros e pardos não haja aceitação do cabelo natural das pessoas?
São esses tipos de tópicos que discuto na série. Felizmente, tenho notado mudanças, especialmente ultimamente. Vejo mais jornalistas negros na televisão. A representação é importante. Quando as crianças crescem e veem a diversidade de pessoas que veem nas ruas, também na tevê, ou em cargos importantes como médicos ou dentistas, então podemos realmente falar da sociedade mista que é o Brasil. Sei que o impacto do passado não pode ser mudado muito rapidamente, mas certamente vejo mudanças. Agora que conheço melhor o Brasil, depois desse documentário, me sinto ainda mais apegada. Espero que este documentário contribua um pouco para esse sentimento de mudança.
Nina Jurna é jornalista e documentarista holandesa, mas escolheu morar no Rio desde 2011. Ao observar poucos jornalistas negros na TV, decidiu produzir o documentário “Da Bahia ao Brooklyn – Histórias do Caribe”, com sete episódios, cujo primeiro deles foi mostrado pela primeira vez no Rio, na terça (09/04), no Espaço Zona Imaginária, na Gamboa, e segue para outras cidades do país. Nina é correspondente na América Latina para o jornal NRC Handelsblad e para a TV pública NOS. Recentemente ela fez o podcast Latin Impact para VPRO Free Sounds, no qual busca histórias interessantes da América do Sul.