Colecionar sempre foi uma das minhas grandes paixões; comecei ainda criança, aos 10 anos de idade. Incentivado por meu avô, colecionei livros do repórter investigativo Tintin, que eram comprados na Livraria Francesa do Copacabana Palace. Acho que toda criança já teve uma coleção, mas eu levei isso muito a sério e segui colecionando também na vida adulta. Com o passar dos anos, a coleção foi crescendo, se multiplicando e se diversificando, mas os personagens de desenhos animados e histórias em quadrinhos sempre tiveram lugar cativo.
Gosto muito dos objetos lúdicos; no fundo, sou um brincalhão. Tenho muitas peças do TinTin – único personagem que ainda compro até hoje –, Asterix, Fred Flintstone, Mickey Mouse, Betty Boop e outros. Tenho também uma grande coleção de soldadinhos de chumbo, que começou com uma caixa que eu trouxe da minha primeira viagem à Europa. Hoje, tenho centenas.
Com os anos, a paixão por colecionar foi aumentando, virou um hobbie, e fui comprando os mais diversos objetos. Se algo me chamava a atenção, já era motivo para começar uma nova coleção. É um vício, adoro garimpar, sempre trago algo das viagens que faço, e minha coleção é bastante diversa: tem desde um conjunto de apontadores chineses até arte contemporânea. Não penso no valor material, e sim no valor afetivo, tanto que também coleciono objetos simples, como canecas e chaveiros. E quanto mais diferente e inusitado, mais me interessa.
Há mais de 40 anos, fui fazer um trabalho em Brasília e tive um contato mais próximo com a arte indígena, na loja do então Museu do Índio. Fiquei encantado e comecei a adquirir diversas peças, como cocares, máscaras e adereços. Estamos falando de uma época em que tudo isso não estava em alta, como hoje em dia; pelo contrário, as pessoas estranhavam o meu gosto peculiar e diziam que poderia não dar sorte. Nunca liguei para isso, sempre comprei peças que me cativassem. O mesmo aconteceu quando comecei a colecionar arte africana — tenho máscaras em minha coleção que começou quando vi de perto, em Nova York, o quadro “Demoiselles d’Avignon”, de Picasso, e conheci uma galeria chamada Hemingway; aí fiz um link com nossas raízes africanas. Me identifico muito com a arte indígena e a africana, pois sinto que são de onde eu venho, onde está a origem do povo brasileiro. A brasilidade, aliás, sempre esteve muito presente nos meus projetos arquitetônicos, tanto que os grafismos indígenas e africanos tiveram grande influência nos móveis que desenhei.
Sou carioca e apaixonado pelo Brasil e pelo Rio de Janeiro — isso fica muito claro nos meus projetos, nos quais procuro sempre valorizar a nossa cultura e a nossa diversidade, com conjuntos cromáticos. Essa paixão também se reflete na minha coleção, que tem diversas peças sobre o Rio, como um conjunto de caixas em madeira, com paisagens da cidade.
A coleção é muito variada; a princípio, os itens podem parecer que não têm relação entre si, mas todos são parte da minha história. As peças ficam na minha casa, integram o meu cotidiano e sempre adorei conviver com todas elas. São objetos adquiridos por afeto, escolhidos por mim, a dedo. Cada um tem uma história, e todos são parte do que sou.
Com o tempo, porém, fui sentindo a necessidade de simplificar a vida. Passei a me sentir engessado, sem mobilidade com esta coleção tão grande. Apesar da minha grande paixão por ela, comecei a me questionar se precisamos mesmo de tanto para viver; por isso, resolvi leiloar mais de 900 itens para tornar a vida mais simples. Não deixei de ser um colecionador nem um garimpeiro; isso está enraizado em mim. Mas, com o passar do tempo, achei que não precisava mais conviver com todas essas peças. Sei que sentirei saudades desses objetos, que me deram tanto prazer ao comprá-los, ao olhar e encontrar algum que me fascinava. Porém a vida é feita de ciclos, e tenho certeza de que outras pessoas terão a mesma alegria que tive ao adquirir essas peças.
Foto: Óskar Sjostedt
Chicô Gouvêa é arquiteto e design de móveis e objetos, com escritório direcionado a projetos de arquitetura, interiores de residências e restaurantes. De 29 de abril a 3 de maio, ele vai leiloar mais de 900 itens de sua coleção pessoal no site da Bolsa de Arte (www.bolsadearte.com). A visitação acontece até o dia 26 de abril de 2024, na casa do arquiteto, das 11h às 17h, de terça a sábado, com hora marcada através do telefone: (21) 99536.3771.