A única coisa que ainda impede que eu me torne vegano é o queijo.
Enquanto não houver um parmesão de soja, um pecorino de castanha do Pará ou um canastra de jaca, continuo garantindo meu lugar no inferno e sendo conivente com a crueldade da indústria de laticínios.
Sim: leite e derivados são o resultado de uma cadeia de ruindades que nem vou mencionar aqui para não estragar o domingo de ninguém.
Queijo é o meu calcanhar de Aquiles. Minha falha de projeto. Se fosse substância ilícita, eu seria figurinha carimbada nos rehabs lácteos. Já teria sido flagrado inúmeras vezes malocando 100 gramas de queijo ralado no bolso da jaqueta, um meia cura na mochila, e até mesmo – nos momentos de maior fissura – um naco de frescal no fundo falso da mala.
Há uma antiquíssima piada do mineiro que achou um gênio da lâmpada e teve direito a três pedidos.
O primeiro pedido foi um queijo. O gênio, espantado, concedeu-lhe o queijo.
O segundo pedido, outro queijo. Atônito, o gênio concedeu-lhe outro queijo.
Depois de pensar um pouco, o mineiro pediu uma linda mulher. E o gênio fez com que uma linda mulher se materializasse (sim, a piada é machista – eu avisei que era antiquíssima, não?).
Já ia indo embora o mineiro, com a linda mulher e os dois queijos, quando o gênio o interpelou, curioso:
– Por que diabos, podendo pedir qualquer coisa deste mundo, você pediu uma mulher e dois queijos?
– Eu fiquei sem jeito de pedir três queijos…
Eu também ficaria. Mas, ao contrário do meu conterrâneo, seria mais ambicioso.
Pediria, em primeiro lugar, que os queijos fossem feitos sem que as vacas tivessem que ser separadas de seus filhotes (sofrimento que deu origem à expressão “chorando que nem bezerro desmamado”: os bezerros choram como bebês arrancados do seio materno, e as vacas se lamentam, como qualquer mãe faria nessas condições). Com isso, poderia comer queijo sem culpa.
Segundo, que queijo não fosse artigo de luxo. Que a gente pudesse chegar no mercado e comprar dois quilos de camembert, quilo e meio de gorgonzola, uma caixa de brie, duas de coalho e todo o estoque de cabacinha, sem se importar com o limite do cartão. Não existiria a expressão “a preço de banana”, mas “a preço de queijo”.
E o terceiro – o mais difícil de todos, o tour de force para o gênio — que os mercados abandonassem a prática de usar a seção de queijos como castigo para os piores funcionários, os mais mal-humorados, os que não veem a hora de ir embora e se livrar daquela figura insuportável que é o cliente.
Frequento três supermercados na Barra. Em todos, comprar queijo implica interagir com atendentes que são um mix de Aracy de Almeida, garçom do Bar Lagoa e bruxa do 71.
Ficam, ostensivamente, de costas para o balcão. Detestam ter que pesar 250 g de mozzarella (“Deu 320 g. Tira ou pode deixar?” – se você disser que pode deixar, ele/a murmurará entredentes “Por que não pediu logo 320 g, c*&*#*?”; se pedir para tirar, rosnará mentalmente “Bando de unha de fome, fdpkct!”). Odeiam os solitários, como eu, que querem um quarto deste queijo e metade daquele outro, em vez de comprar peças inteiras. Execram os que querem uma peça inteira, porque tem que ser pesada na hora (talvez para que a embalagem seja incluída no peso, vá saber).
Ou talvez sejam veganos infiltrados, querendo nos fazer desistir do vício em queijo. Sim, queijo vicia: contem caseína, substância que excita os receptores opióides do cérebro, e produz sensação de euforia, similar à provocada por outras drogas.
Possivelmente seja isso o que falte aos queijos veganos: uma dose de perversidade, que leve à dependência. Aí poderemos nos deleitar (com trocadilho, por favor), deixando as vacas, os bezerros e a consciência em paz. E nos mercadinhos veganos o atendimento há de ser (toc toc toc) melhor.