Há dois tipos de mulher: a que problematiza o 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e a que pressente que, se fizer isso, terá que problematizar também o Dia do Trabalho, o Dia da Árvore, o Dia de Finados, o Dia da Bandeira, o Dia da Consciência Negra, o Dia de São Longuinho e o Dia do Auxiliar de Limpeza e Serviços Gerais (para quem não sabe, é 22 de fevereiro) – e deixa quieto. Isso sem esquecer o Dia das Mães, o Dia da Mentira e o Dia da Amante (22 de setembro, que recomendo não anotar na agenda).
Há também dois tipos de homem. O que reage com o mesmo entusiasmo ao Dia da Mulher e ao Dia do Queijo Quark (19 de janeiro), Dia do Biodiesel (10 de agosto) e Dia do Funcionário Público Aposentado (17 de junho). E o que aproveita para tirar uma casquinha.
O Ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (o nome é maior que o próprio ministério) pertence à segunda categoria, e houve por bem fazer uma homenagem àquela que já foi o belo sexo, o sexo frágil, a rainha do lar etc: publicou no Xuíter estes lindos versos:
“Queria tanto ser mulher.
Para ser de Deus, imagem e semelhança.
Para ser sensível e forte por toda uma vida.
Para poder gerar em mim o coração de uma criança.”
(…)
“Já que não pude ser uma delas, nem de perto…
Restou-me: amá-las, respeitá-las, para poder contemplá-las por perto. É certo!
Como faz o céu escuro ao ver brilho certo das estrelas.
Resignando-se coadjuvante já que não pode.”
Rimas riquíssimas, vasto vocabulário, ritmo arrebatador e métrica impecável à parte, essa pérola da lírica nacional causou mais que espanto, perplexidade e estupor.
Uma professora-palestrante não deixou barato:
“Morrer de violência doméstica, trabalhar feito uma camela, ganhar menos no trabalho. Sofrer assédio, não ter acesso às mesmas oportunidades, ser questionada quando engravida e demitida quando o bebê nasce. Não poder decidir sobre o próprio corpo. Certeza que você adoraria, né?”
“Não aguentaria um dia da nossa vida”, complementou uma famosa blogueira.
Nem tanto à idealização do senhor Ministro, nem tanto às falácias das senhoras feministas. Sabemos bem as dores de ser quem somos e imaginamos a delícia de ser o que o outro é. Ou, em linguagem de rede social, “Me invejar é fácil, difícil é ser eu”.
No navio que está afundando, é melhor ser mulher. Na hora do exame de próstata, também. A equação se inverte quando chega a mamografia. Ou se tem que usar um banheiro público.
É melhor ser mulher na hora de comprar roupa em brechó. E ser homem ao escolher sapato. Ser mulher ao perder o interesse na hora H (é mais fácil fingir orgasmo que ereção). E ser homem no quesito depilação.
Homem não sabe o que é cólica menstrual, menstruação, gravidez, parto, amamentação, celulite. Mulher não imagina o que é ter, expostos a levar bolada no futebol, seus órgãos mais sensíveis.
É melhor ser mulher na aposentadoria, que vem antes. E na viuvez, estado civil no qual ela tem preferência. Já homem leva vantagem quando é preciso abrir vidro de azeitona, trocar pneu, matar barata e ir lá fora de noite ver que barulho é aquele… ops, não, peralá, acho que me equivoquei aqui.
Cada um sabe onde lhe aperta o calo. Deve ser horrível, para uma mulher, levar um monte de cantada de homens que não lhe interessam. Será que a mulher imagina como é ser homem e levar um monte de “nãos” de mulheres por quem ele se interessou?
É evidente que, num mundo ainda machista, numa sociedade patriarcal, os machos da espécie têm privilégios. E muitos.
E a maior vantagem que vislumbro, neste momento, nem é estar (estatisticamente, que seja) a salvo da violência doméstica, de ser preterido no mercado de trabalho ou de receber o aviso prévio ainda na sala de parto (exagero que a legislação nem permite, mas enfim). É saber que não há chance de alguma ministra (das poucas que existem) postar uma ode ao sexo masculino rimando “perto” com “certo” e “estrelas” com “pode”. Sim, porque há um Dia Internacional do Homem (19 de novembro).
A gente até paga mico no Dia das Mulheres. Mas o risco dessa vergonha alheia no Dia dos Homens a gente não corre.