Luiz Antônio Simas é “o cara” quando o assunto é carnaval. Dá aula desde o beabá até as complexidades do tema, além de perito nas miudezas da rua, um dos jurados do Estandarte de Ouro e escritor, autor de livros sobre o tema, como “Dicionário da História Social do Samba”, junto com Nei Lopes, e vencedor do Prêmio Jabuti 2016 na categoria “Livro de Não Ficção do Ano”.
Confira o texto:
O carnaval assusta
Num mundo cada vez mais individualista, o carnaval assusta porque afronta a decadência da vida em grupo, reaviva laços contrários à diluição comunitária, fortalece pertencimentos e sociabilidades e cria redes de proteção nas frestas do desencanto.
A festa é coisa de desocupados? Fale isso para trabalhadoras e trabalhadores da folia. O carnaval é também, para muita gente tratada como sobra vivente, alternativa de sobrevivência material, afetiva e espiritual.
Escolas de samba, por exemplo, surgem como instituições comunitárias das populações negras. Mesmo com todos os dilemas, possuem ainda setores orgânicos que, a partir delas, elaboram sentidos de mundo.
Por isso, afirmei que o carnaval está sob ataque faz tempo: os higienistas da Casa Grande querem eliminá-lo; os tubarões do mercado querem gentrificá-lo; os mercadores da fé querem atrelá-lo ao imaginário do pecado.
O Brasil não inventou o carnaval, é certo, mas o povo brasileiro o vivenciou de tal forma (na pluralidade de suas manifestações) que ocorreu o inverso: foi o carnaval que inventou um país possível e original, às margens do projeto de horror que nos constituiu.
É perturbador para certo Brasil — individualista, excludente, raivoso, intolerante — lidar com uma festa coletiva, inclusiva, alegre, diversa, rueira. Tenso e intenso como lâmina e flor, o carnaval assusta porque nos coloca diante do assombro da vida.