Há quem não entenda alguém gostar mais de bicho que de gente. Nem entro nesse tema, eu que gosto mais até de planta que de gente.
O pé de maracujá (Passiflora edulis Sims) da minha varanda me fornece sombra, volta e meia me surpreende com flores de uma beleza absurda e, mesmo que não dê um fruto sequer, jamais deixará comentários grosseiros ou cheios de ressentimento (comentários cheios de ressentimento costumam ser os mais grosseiros) nas minhas redes sociais.
Os dois pés de abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril.) podem até me espetar (e espetam, sempre que podem), mas jamais me roubarão, como algumas pessoas já me roubaram.
As espadinhas de São Jorge (Sansevieria trifasciata ‘Hahnii’) talvez até reclamem da falta de espaço — se deixar, elas ocupam todas as floreiras — mas jamais se queixarão formalmente à administração do condomínio, como fez a vizinha de alguns andares abaixo, indignada com gotas d’água que caíam da minha varanda nos momentos de rega. Plantas agradecem (e como agradecem!) pelas gotas d’água; vizinhas registram a ignomínia no Livro de Reclamação (imagino sua frustração quando São Pedro joga baldes e mais baldes d’agua no chão do céu, e elas não têm como ir se queixar ao bispo).
Mesmo a touceira de alecrim (Rosmarinus officinalis) — a quem maltrato desfalcando-a de uns raminhos, de vez em quando — mesmo ela me recebe sempre gentil e perfumada, perdoando a usurpação. Sabe que é para dar sabor a uns tomates, umas berinjelas, e suspeito que se sinta orgulhosa por tornar mais palatáveis as gororobas que engendro no fogão.
Admito certo conflito com a Mirabilis jalapa, que tomou de assalto o vaso em que vivia Eugênia, a pitangueira (Eugenia uniflora), e — suspeito — a matou.
Como certas pessoas, chegou sem ser convidada. Quando vi, já tinha tomado um vaso, depois outro e, se eu não tivesse imposto limites (como se deve fazer com algumas plantas e com a maioria das pessoas), teria se instalado, feito uma posseira, em todas as terras disponíveis na varanda.
A mirabilis se acha a tal, convencida pelos nomes que lhe dão: maravilha, bonina, belas-noites. Mas nem a vermelha (que matou a pitangueira) me xingaria de fascista ou coisa parecida nem a amarela (que vive aos pés dos pés de maracujá) me tacharia de comunista ou assemelhado — como fazem supostos Homo sapiens, em reação às colunas no jornal. Sim, são plantas incultas, analfabetas, sem um neurônio sequer — mas têm senso de ridículo.
A planta-fantasma (Graptopetalum paraguayense) não arrasta móveis de madrugada. O manjericão (Ocimum basilicum) não grita palavrões na quadra de tênis. O boldinho (Plectranthus caninus) não vira a cara quando vê os cachorros. A dracena (Dracaena arbórea) não canta “Evidências” a plenos pulmões, com afinação zero.
Gente é um bicho muito nutela. Planta, sim, é amigo-raiz.