Desde o último fim de semana, fico pensando se o cara que levou o busto do meu avô Nelson Rodrigues, do cemitério São João Batista, já teria assistido a alguma das suas peças. E, quem sabe, mesmo assim, a teria furtado? Ou talvez, por isso mesmo?
Cultivo os saudáveis hábitos de sonhar e realizar meus sonhos. Essa triste história me fez lembrar que, durante o ano de 2013, estava eu dormindo profundamente (segundo os especialistas, esse momento do ciclo do sono quando os sonhos acontecem, chamado REM) e sonhei que procurava a estátua de Nelson Rodrigues no Rio de Janeiro, mas não a encontrava.
Não tinha mesmo como encontrá-la, pois ela ainda não existia. Acordei preocupado e pensando: no Rio, tem mais estátuas que pombos. Como pode, então, não ter uma estátua do maior dramaturgo brasileiro, esse pernambucano que adotou a Cidade Maravilhosa como sua, que aqui chegou aos 4 anos de idade?
Movido por algo que chamo de “instinto de produção”, e sem partilhar com ninguém a minha preocupação, fui até a Secretaria de Conservação da Prefeitura e conversei longamente com a querida Vera Dias (arquiteta e integrante da diretoria de planejamento e projetos na Fundação Parques e Jardins), para saber quais eram os trâmites para a instalação de uma estátua na nossa cidade.
Depois que saí de lá, com as dúvidas sanadas e uma autorização para uso do espaço público, fui em busca da melhor maneira de produzir a estátua do “pai da moderna dramaturgia brasileira”.
São trabalhosas as realizações de sonhos. Três anos depois, no início de 2016, consegui as parcerias perfeitas. O produtor, que se tornou irmão d’alma, Gustavo Nunes, da Turbilhão de Ideias, me apresentou ao querido professor Carlos Alberto Serpa, da Fundação Cesgranrio, que, entusiasmado com a ideia, financiou a produção da estátua de Nelson Rodrigues, esculpida, com maestria, por Edgar Duvivier.
Estávamos já em meados de 2016, quando entramos na reta final da realização do meu sonho. Eu tinha em mente a data perfeita para a inauguração da estátua, mas ainda não havia o local definido.
Minha ideia inicial era que a estátua fosse instalada na Cinelândia, em frente ao Theatro Municipal, palco da estreia original de “Vestido de Noiva”, segunda peça do nosso grande autor, a peça que deflorou o moderno teatro brasileiro. No entanto, por ser um espaço tombado, a Cinelândia não poderia receber a estátua.
A minha segunda opção era a Avenida Atlântica, na altura do Leme, em frente ao apartamento onde Nelson morou no fim de sua vida. Mas a Avenida Atlântica também é tombada: a estátua não podia ficar lá.
Já era novembro, quando entrou em cena mais um personagem fundamental, mais um grande parceiro, o secretário de Cultura Júnior Perin. Foi dele a ideia da Praça Inhangá, em Copacabana, para a instalação — sugestão imediatamente aceita por mim já que a data perfeita para a inauguração se aproximava, e a Praça Inhangá foi o primeiro endereço de Nelson no Rio ao chegar de Pernambuco.
Em 21 de dezembro, dia da morte de Nelson Rodrigues, inauguramos a estátua de Nelson Rodrigues: o sonho se realizava depois de 20 minutos de sono REM e três anos de árduo trabalho!
Sim, existe esse outro Nelson Rodrigues em Copacabana! O comportamento do cemitério foi ótimo, o busto será reposto”.
Nelson Vinicius Odenbreit Rodrigues, o Sacha, é produtor, ator e fotógrafo. Sacha é filho do cineasta Joffre Rodrigues e neto de Nelson Rodrigues. Há mais de 20 anos, trabalha com os legados de seu pai e de seu avô. Foi produtor e ator no longa-metragem “Vestido de Noiva” (2006) e idealizador da estátua de Nelson Rodrigues, em Copacabana.