Quinta feira, 30 de novembro, depois de uma reunião no Solar Botafogo, rumando para Ipanema em minha Scooter, virei em direção à Lagoa para pegar o acesso da Rua Frei Solano na esquina da Fonte da Saudade. Era em torno de meio-dia. A próxima lembrança que tive foi alguém retirando meu capacete. Fui abalroado por trás por um motoboy em altíssima velocidade, em uma tentativa de ultrapassagem pela direita (proibido), atingindo em cheio a minha perna direita. Ainda pude ouvir atrás de mim as palavras “foi mal, eu estava varetado”.
Chegaram os bombeiros e pelo rádio ouvi a comunicação com o Hospital Miguel Couto dizendo “risco vermelho com chance de amputação de perna“.
Segui para o Miguel Couto e tive muita sorte: me surpreendi com uma equipe admirável em instalações impecáveis num hospital municipal, que eu não conhecia, não só salvaram a minha perna dilacerada por uma fratura exposta da tíbia, como também a continuidade da minha vida produtiva. Ouvi dizer que o motoboy (igualmente conduzido ao Miguel Couto) era um jovem de 18 anos sem habilitação, trabalhando para o primo (dono de uma venda), que seria o proprietário da moto.
Dois dias depois, transferido para outro hospital, eu estava de volta à mesa de cirurgia, para a colocação de uma trave interna que alinhasse os ossos partidos. O próximo passo é uma operação de reconstituição plástica para refazer parte da perna, já que uma grande quantidade do tecido desapareceu.
No hospital, descobri que meu caso não é pontual — a quantidade de acidentes causados por motoboys está se multiplicando geometricamente, onerando o estado nos gastos hospitalares e ameaçando a liberdade de ir e vir das pessoas, sejam pedestres, outros motociclistas ou carros… ou seja, com certeza, um assunto de saúde pública, orçamento público, segurança e ordem pública.
Sou uma pessoa otimista, com poucos medos, mas nada pior do que a irresponsabilidade urbana que assola o Rio, herança antiga na nossa vida: do roubo de celulares, seguido de agressões que parecem dar prazer aos criminosos, quebradeira gratuita do transporte público urbano heroicamente em constante reparo pela Prefeitura, destruição das florestas pela grilagem de áreas públicas, deteriorando aquela que já foi chamada Cidade Maravilhosa. Não bastasse o caos urbano de desrespeito às leis, que são criadas para que a convivência de todos seja harmonizada, surgiu esse novo fenômeno que me atingiu diretamente e sem a menor chance de defesa: o motoboy alucinado, sem o menor respeito à velocidade ou noção de mão e contramão.
Tenho dito que o que me assusta hoje em dia, como motociclista, não são os carros, e sim esses indivíduos. Nada contra os motoboys que ganham sua vida honestamente, fazendo deliveries que beneficiam a todos. Tudo contra aqueles que desrespeitam as mínimas leis de trânsito, que continuam impunes, muitas vezes atrás de placas adulteradas com adesivos e gerando consequências gravíssimas. Foi comigo, mas poderia ter sido com qualquer um que me lê, ou parentes. É preciso urgentemente uma larga campanha educativa da Prefeitura, acompanhada de um rigor implacável da Guarda Municipal/Polícia, para evitar que essas motocicletas se equiparem a fuzis AK47 manuseados por jovens ou adultos irresponsáveis, pois o dano potencial é o mesmo.
Se, ao ler esse relato, você se identificar com os argumentos defendidos, ajude a cidade e pressione com suas redes sociais para que as autoridades públicas encarem esse problema com a devida gravidade que merece.
Quando esquecemos que vivemos em comunidade e que somos todos responsáveis uns pelos outros, a cidade perde sua identidade.
Ricardo Nauenberg é produtor e diretor de cinema e TV.