Todo mundo conhece o tipo de trabalho a que Sísifo foi condenado por trolar os deuses: arrastar uma pedra até o topo de uma montanha — só que, antes de chegar lá, a pedra rolava morro abaixo, e ele tinha que começar tudo de novo. O que pouca gente sabe é do trabalho de Zífiso, que toda noite tem que recompor a declividade da montanha — desgastada pela pedra que rola — e o de Físifo, que vara as madrugadas esculpindo uma nova pedra, porque o atrito da rolagem montanha abaixo altera as especificações da pedra original. Zífiso e Físifo odeiam Sísifo, a montanha, a pedra, os deuses e o trava-línguas que as crianças gregas fazem com seus nomes.
Todo mundo conhece Antígona e sua saga para enterrar dignamente o irmão. O que Sófocles não contou foi a tragédia de Antigona (sim, paroxítona), uma velhinha velhíssima, daquelas que sobrevivem aos netos e à hipoteca da casa, e que lutava para não ser enterrada pelo genro (que não aguentava mais levar a provecta, vetusta e macróbia senhora para fazer prova de vida, décadas a fio, no INSS).
Todo mundo conhece a caixa de Pandora, que continha todos os males do mundo. Ninguém menciona o box de Polidora, sua irmã, que guardava as venturas: cuidar da própria vida, não bisbilhotar a vida alheia, não entrar em treta, não se meter onde não é chamado. Polidora não tinha curiosidade nenhuma, por isso seu box está fechado até hoje e esses bens não se espalharam pela face da Terra.
Todo mundo sabe quem foi Narciso — o jovem que se apaixonou pela própria imagem refletida num lago e morreu afogado. O que ninguém sabe é que ele não apenas sobreviveu, mas inventou a selfie, os filtros do fotoxope e o Instagram.
Todo mundo sabe que Prometeu roubou o fogo e foi condenado a ter seu fígado devorado toda noite por uma águia. Mas ninguém jamais procurou saber que diabos fez a pobre águia para ser sentenciada, por toda a eternidade, a ter uma dieta exclusivamente à base de fígado.
Todo mundo conhece o infortúnio de Ícaro, que — literalmente — caiu das nuvens por causa da falha de projeto de suas asas (feitas de penas e cera, em vez de liga de alumínio). Ninguém se condói da sina de seu irmão, Ácaro, que, por causa do trauma familiar, passou a vida enfiado na cama e no sofá.