Ainda me lembro de quando, depois de começado o ano, dezembro levava doze meses para chegar.
Era o mês mais esperado. E, consequentemente, o que demorava mais a dar as caras.
Dezembro era não ter aula. Ir chupar manga na casa da tia Zezé, em Cisneiros. Congelar a língua de tanto chupar picolé na casa do tio Murilo, em Muriaé.
De ir para a praia, em Carapebus. Armar árvore de Natal, assar castanhas, devorar rabanadas e ter a casa cheia dos primos de Belo Horizonte e Além Paraíba (ou de Porto Novo do Cunha, já que ora diziam uma coisa, ora outra, e só depois descobri serem duas margens do mesmo rio).
— Já é dezembro?
Nunca era.
— Falta muito?
Sempre faltava.
Para chegar a dezembro, era preciso sobreviver ao carnaval, à quaresma, à Semana Santa, ao meu aniversário, a São João, aos cachorros doidos de agosto, à parada de Sete de Setembro, aos mortos de Finados. Chegava o fim dos tempos e nada de dezembro aparecer.
Na Folhinha de Mariana (ou seria do Coração de Jesus?), pregada bem alto na parede do corredor, dezembro era ainda mais inacessível, protegido por centenas de dias, a ser despetalados um a um, com lentidão exasperante.
Não sei quando foi, ou como foi, ou por culpa de quem, nem se é caminho sem volta, mas dezembro agora mal espera o ano engrenar.
Outro dia mesmo era réveillon, e daqui a pouco é réveillon de novo. A árvore do Barrashopping talvez nem tenha tido tempo de ser desmontada de todo — ao chegarem ao aro do meio, já era dezembro outra vez. Minha vizinha ia tirar a guirlanda da porta e talvez no mesmo gesto a tenha recolocado no lugar.
Dezembro espremeu o ano, tornou-se onipresente. O que foi feito de março, de julho, de outubro? (Teve mesmo junho este ano? Teve maio?)
Tia Zezé agora mora em Jacarepaguá, e no seu quintal há uma piscina, não o pé de manga carlotinha – a melhor de todas, olorosa, salpintada de preto. Tio Murilo foi ser fazendeiro do céu.
O hotel do meu avô está demolido (era dos prédios mais lindos de Viçosa; foi posto abaixo e do seu ventre, como nos filmes de terror, brota um monstrengo). Não há mais quartos para hospedar os tios, cozinha para as panelas de Iolanda, lavanderia e quarador para Elvira, tábua de passar para Geralda, quartinho silencioso para seu Nelo, bandejas e copos para Zé Verano, batentes onde estralar castanhas, assoalhos onde girar piões, colos em que subir para arrancar, a cada vagarosas 24 horas, uma pétala do calendário.
Dezembro perdeu a paciência, o compasso. Aliou-se aos ponteiros para roubar-nos o tempo. Não espera mais ser convidado: invade.
— Falta quanto agora?
Minha vó Rosa responderá, ajeitando as travessas no cabelo branco, que envelhecer é ver se confundirem o minuto que se espremia entre dezembro e janeiro e o ano que se arrastava de janeiro a dezembro.
Até tudo virar um dezembro só, sem início e sem fim.