Tocou a campainha. Pelo olho mágico, vi que era a vizinha, com quem nunca troquei palavra.
— Boa tarde. Minha sobremesa
E me apresentou um pratinho com um crumble de alguma coisa e uma bolota de sorvete, ziguezagueados de calda de chocolate.
Nunca esperei dela esse ou qualquer outro tipo de gentileza, de modo que estendi a mão entre agradecido e desconfiado, mas ela recuou.
— Não, não é para o senhor. Só vim mostrar minha sobremesa de hoje.
E virou as costas, indo tocar a campainha do apartamento ao lado – a cujo morador também exibiu a sobremesa, e a quem também a recusou.
E foi assim, de porta em porta, até o fim do corredor. Terminado o périplo, voltou ao 407 e bateu a porta.
Vi que pelo menos quatro de nós permanecíamos à porta, estupefatos. Essa mulher pirou, diria eu, não fosse isso gaslaite capaz de me indispor ainda mais com a vizinhança.
Olhei à volta, em busca de alguma cabeça balançando em sinal de reprovação, quando notei que quem se balançava à porta era o vizinho do lado — nu em pelo.
Não é que se balançasse por inteiro: balançava as vergonhas.
Imaginei se haveria relação entre a visita da sobremesa da vizinha e o baloiço genital do vizinho, e recuei. Tranquei a porta, passei a tetrachave e fui até a janela.
No prédio em frente, dezenas de condôminos exibiam, de suas varandas gurmê, ali um drink multicor, aqui um pratinho de rúcula com tomatinhos cereja, acolá uma senhora sacolejava os seios e, entre uns e outros, uma profusão de bundas de todos os feitos, pintos em variados estados de entusiasmo. Em janelas esparsas, senhores faziam sinal de positivo, velhinhas modelavam com as mãos o que parecia ser um coraçãozinho pulsante. Alguns mostravam garrafas de vinho. Uma senhora exibia um gato coberto de purpurina. Grupos trocavam socos e pontapés do play.
Fechei janelas e cortinas, enfiei toalhas sob as portas, verifiquei se tinha água na geladeira, peguei uma faca (nunca se sabe o que pode vir a seguir) e liguei o computador. Precisava saber o que estava acontecendo – e se era com o mundo ou comigo.
O instagram estava fora do ar.
Isso explicava a vizinha tendo que mostrar a sobremesa, de porta em porta, ou os vizinhos em frente, agitando garrafas.
O feicebuque também não funcionava — daí os joinhas, os coraçõezinhos, as carinhas zangadas e as caras de vômito, em janelas alternadas.
O Twitter desaparecera do alfabeto. Daí as pessoas se engalfinhando nas ruas.
O zap entrara em colapso; daí, em abstinência de meia hora sem mandar nudes, as genitálias agitadas ao vento e o desfile de pelados e peladas pelos corredores (vi pelo olho mágico, eu que não mando nem foto de cueca).
Ao fim da tarde, as redes voltaram a funcionar e a vizinhança se recompôs como pôde.
Soube que um tal de Zuckerberg perdeu 6 bilhões. Fora o que certamente dona Mafalda — a da bunda blasé do 503 — e seu Odilon — o do pinto desalentado do 707 — vão cobrar de danos morais.