Quase não acreditei quando a OAB me convidou, no ano passado, para desenvolver algo especial para, de alguma forma, homenagear a Ana Paula de Paula, que era da comissão de direito da moda da OAB e havia morrido depois de lutar contra um câncer de mama. O convite surgiu em meados de outubro de 2022. Fui buscar entender quem era essa pessoa e o que eu podia fazer pra honrar seu legado. Fiquei sabendo que Ana Paula tinha uma conexão muito forte com o mar, com a água e tinha perdido o prazer de ir à praia. Já são tantas perdas ao longo desse processo… os cabelos, cílios, a sobrancelha…
Comecei a perguntar o porquê dessa desconexão com a praia, o motivo pelo qual ela tinha deixado de entrar no mar; sempre pensei na água salgada como meio de cura e conexão. Estou sempre dizendo que sou uma pessoa de alma salgada: quando estou triste, vou à praia para buscar abrigo e, quando estou feliz, vou para comemorar. Uso a água para tirar a uruca e até aliviar uma ressaca. Todo dia pra mim é um recomeço, e é o mergulho no mar que tem esse simbolismo. Eu preciso, de algum jeito, ressignificar isso, fazer desse pedido, algo muito bacana.
Voltei meus olhares pra fábrica, e uma mulher do nosso time, a Madalena, tinha acabado de se recuperar de um câncer de mama. Ela foi fundamental pra que eu entendesse uma dor e conseguisse transformar em algo bonito. Decidi que ia fazer peças lindas pra estar no mar, adaptadas a mulheres que precisaram fazer mastectomia — ajudar, de algum jeitinho, a recuperar um pouco da autoestima dessas mulheres. Fui entender a questão das cicatrizes, das próteses móveis… Madalena tinha passado por mastectomia unilateral e foi nossa modelo de prova. Além dela, contamos com a ajuda da Mônica Alcântara (que fez mastectomia radical da mama esquerda e se tornou modelo e onco influencer, além de palestrante e fundadora do projeto @ressignificada.s). A gente ainda estava precisando entender algumas outras questões pra deixar tudo perfeito: mexer no forro, nas costuras, para não incomodarem.
Mônica tem o projeto Ressignificados, que cuida de mulheres que passam ou passaram pelo câncer de mama, com a formação de grupo de ajuda, apoio psicológico ou recolocação de mercado. É um projeto muito completo e lindo. Ela chamou quatro meninas com corpos, idades e cirurgias diferentes para irem à fábrica. No primeiro momento em que mostrei a prótese que estávamos usando como referência, elas apontaram que o modelo era caro e que usavam outras. Foi muito importante ter o contato com quem de fato vive um projeto, para ser realmente genuíno e bem pensado. Chegamos a dois modelos de biquíni: um maior, cheio de conforto pra viver tudo que a praia traz, e outro menorzinho, pra quem preferir. Surgiram ainda dois maiôs. Queria deixar tudo com cara de moda praia linda de viver. Foi tão importante enxergar a moda com um propósito muito maior do que só fazer roupa por fazer. Isso me moveu ainda mais. Vou fazer em todas as coleções, pras pessoas trocarem a parte de baixo, terem opções… Não adianta incluirmos modelagem e excluir a comunicação de moda. Queremos entregar produtos mais completos para nos tornarmos pioneiros nesse processo e fazer disso um legado e um projeto muito maior.
A estimativa para 2023 e 2024 é de 73 mil novos casos de câncer de mama. Não podemos ignorar isso. Estou muito feliz, estou brincando que meu pai inventou o biquíni de lacinho, e a gente inventou o biquíni de mulheres com mastectomia. É um processo muito legal. Fizemos o lançamento oficial e vimos toda aquela emoção de pessoas que não são da moda, mas que são mulheres que há anos não iam à praia. No dia do lançamento, a família da Ana Paula de Paula, que foi a grande inspiração do projeto, compareceu. Vimos a emoção da irmã, do filho e do marido, e pudemos honrar muitas mulheres através de um projeto transformador.
Sharon Azulay é diretora criativa da BlueMan. Ela assumiu a marca aos 19 anos, depois da morte repentina (infarto) do pai, David Azulay, em 2009.
Fotos: @abacaxifotografia e divulgação