Leitor da coluna enviou a imagem divulgada em “A folha do Bosque”, jornal da Barra, de um jacaré morto enforcado com um pneu, boiando na lagoa de Jacarepaguá, nessa terça (03/10), próximo à Avenida Salvador Allende. O registro foi feito por um pescador da associação do bairro.
A coluna entrou em contato com o biólogo Ricardo Freitas Filho, presidente do Instituto Jacaré (@institutojacare), que faz resgate de fauna silvestre, pesquisa e monitoramento em área urbana há mais de 20 anos. “Não é um acontecimento novo. Temos relatos de animais mortos em todas as lagoas do complexo lagunar de Jacarepaguá e nos canais entre uma lagoa e outra. As mortes têm acontecido muito pelo avanço imobiliário e caça ilegal. Falta fiscalização do poder público e capacitação técnica dos licenciamentos ambientais”, diz ele.
“A situação é recorrente, já pegamos jacaré com garateia na boca (anzol com três ganchos), capivaras mortas… Enquanto continuarem utilizando os rios como depósito de lixo, não tem jeito. Infelizmente, esses animais extremamente resistentes acabam sendo vítimas não apenas do lixo, como da caça. Em um ano e meio retiramos 150 toneladas de lixo de todo o tipo das margens da lagoa do Camorim (complexo de Jacarepaguá). Não para de sair lixo porque também não para de chegar, apesar da atuação das ecobarreiras, porque muitas vezes durante a chuva, o lixo passa por baixo delas pelo grande volume. Parece que a turma não assiste televisão, não está vendo o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, em outros países. Ou seja, continuem jogando lixo que vão colher a resposta da natureza”, diz o biólogo Mario Moscatelli, que muitas vezes atua junto com Ricardo.
Outro fator é que a maioria dos animais são machos, o que acaba influenciando na procriação dos papo-amarelos. “São animais que dependem da temperatura ambiental para a determinação do sexo – se essa incubação acontece a 33 graus Celsius, por exemplo, todos os filhotes nascem machos e é o que tem acontecido com os ninhos dentro do lixo. Mais ou menos 80% da população de todo o complexo lagunar de Jacarepaguá são machos, ou seja, um risco iminente de extinção”.
Tanto Ricardo, quanto Mario, vem avisando sobre as mortes dos animais há décadas – só este ano e os que eles souberam, foram mais ou menos oito -, mas por que ninguém faz nada? “Escutei muito que jacaré não dá voto e as pessoas não se importam com isso. Mas se a população de jacaré extinguir localmente, isso vai levar a um colapso ecossistêmico, porque eles têm uma importância tremenda na regulação de toda a comunidade biológica”, afirma.
Ele também cita as dificuldades de um flagrante quanto à caça ilegal: “As pessoas dizem ‘ah, mas não tem denúncia de caça ilegal, não tem flagrante’. Como a gente consegue fazer isso no meio da noite/madrugada (até pelos hábitos noturnos na espécie)? Não trabalho armado e nem tenho essa habilitação, não vou chegar e confrontar. Do nada as pessoas ouvem tiro durante a madrugada, ninguém fala nada, se o tiro for no jacaré, na capivara ou em mim, não vai fazer a menor diferença. Você acha que eu vou ficar me metendo com caçador? Engraçado é que dentro de casa ninguém faz nada, prefeitura liberando obra que estava embargada, aterro rolando, matando uma cacetada de bicho, tudo por causa do desenvolvimento imobiliário e nada está sendo feito, porque dá trabalho”.