Se você tem um dicionário impresso, ele certamente está desatualizado. Não importa que seja a edição de 2023: o prazo de validade dos dicionários agora é contado em dias, talvez horas.
Já se foi o tempo em que as palavras eram gestadas lentamente ou importadas com alguma parcimônia, e o dicionário representava relativamente bem a língua falada. Palavras novas pipocam agora o tempo todo, feito pop ups. Tanto que importamos a expressão “pop up”, porque pipocar já não dava mais conta.
Os dicionários também eram estanques: havia os de Língua Portuguesa, os de Inglês-Português e Português Inglês etc. Os de Português iam incorporando, paulatinamente, os estrangeirismos – e, mesmo assim, depois de muita burocracia, muito documento em três vias, com folha de papel carbono, reconhecimento de firma e autenticação em cartório. Agora os anglicismos entram sem pedir licença, e a gente que corra ao gúgol (“gúgol” não está nos dicionários) para saber o que significa isso e aquilo que já está na boca do povo.
Enquanto os novos verbetes e suas definições não tomam assento no Aurélio, no Houaiss, no Michaelis, aí vai minha contribuição para elucidar seus significados. Como não sou lexicógrafo, o jeito é dar exemplo. Porque um exemplo vale mais que mil palavras.
— Gaslighting: manipulação psicológica, tentando fazer a pessoa (mulher, em 150% dos casos) acreditar que não esteja em seu juízo perfeito. Exemplo:
“Você esteve ao meu lado e roubou a minha paz
Hoje me serve de exemplo, vou fugir enquanto é tempo
Você é doida demais, você é doida demais
E você é doida demais, doida, muito doida
Você é doida demais”
(Lindomar Castilho, poeta goiano)
— Mansplaining: explicação condescendente, por parte de um homem, a uma mulher, como se ela fosse incapaz de entender sozinha:
“Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda
É apenas o meu jeito de viver o que é amar”
(Gonzaguinha, poeta carioca)
“Você não está entendendo quase nada do que eu digo
Eu quero ir-me embora, eu quero é dar o fora”
(Caetano Veloso, poeta baiano)
“O que você não sabe, nem sequer pressente
É que os desafinados também têm coração”
(Newton Mendonça, poeta carioca)
“Conte ao menos até três, se precisar conte outra vez (…)
Sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo”
(Roberto e Erasmo, poetas capixaba e tijucano)
— Manterrupting: o homem (sempre ele!) impede que a mulher finalize uma opinião ou um raciocínio:
“Não fale agora. Não há mais nada, o nosso show já terminou.”
(Roberto e Erasmo, de novo)
“Cala a boca, Bárbara. Cala a boca, Bárbara”
(Chico Buarque, poeta paulistano)
— Ghosting: sair, à francesa, de um relacionamento; dar um perdido:
“Eu bato o portão ser fazer alarde, eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade, e a leve impressão de que já vou tarde”
(Chico Buarque, de novo)
“Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí
Levando um violão embaixo do braço”
(Zé Keti, poeta carioca)
— Bodyshaming: comentários não muito elogiosos sobre o corpo do outro.
“Você viu o cabeção por aí?
Eu não, eu não vi não.”
(Golden Boys, poetas cariocas)
“Era um peito só, cheio de promessa, era só”
(Clara Nunes, poeta mineira)
“Quero sentir o seu corpo pesando sobre o meu”
(Marisa Monte, poeta carioca)
Na próxima semana, falaremos sobre novas expressões em português mesmo, como:
— Especismo: discriminação de quem não é da mesma espécie
“Eu não sou cachorro, não
Para ser tão desprezado”
(Waldick Soriano, poeta baiano)
— Capacitismo: associação de uma deficiência física a algo negativo
“Tanta gente se esqueceu que o amor só traz o bem
Que a covardia é surda e só ouve o que convém”
(Roberto e Erasmo, outra vez)
#MPBtambémÉcultura