Nos últimos anos, a começar de 2017, convivi na área do Jardim de Alah — mais precisamente na Cruzada São Sebastião —, produzindo o documentário “Crônica de uma cidade partida”, lançado em maio de 2023, cujo intuito era entender a dinâmica da região. Nesse período, ainda sob o canteiro de obras do metrô, ficaram claros para mim alguns pressupostos mandatórios para qualquer obra de revitalização ali.
Recentemente, fui procurado pelo arquiteto Miguel Pinto Guimarães para contribuir com minhas conclusões, o que considerei uma oportunidade. O projeto do Miguel e do Sérgio Conde Caldas é inclusivo e deve ser conhecido. A maioria das pessoas que estão contra não o conhecem.
1) O Jardim de Alah é uma área desperdiçada na divisa de Ipanema e Leblon, que poderia assumir um importante papel de instrumento cultural e de integração entre todos os habitantes da região, sem distinção de classe social. Mais que um parque, é uma área que, a exemplo do Central Park ou Hyde Park, deveria ser um local de contemplação, atividades e lazer para todos. O parque é um ativo de todos, vizinhos ou não, um patrimônio da cidade inteira, convidada a frequentá-lo livremente.
2) Qualquer projeto que não integre a Cruzada São Sebastião em seu conceito vai estar fadado ao insucesso. Se a comunidade se sentir marginalizada e mantida em um cenário de gueto, alimentado por eles e pela vizinhança, não haverá respeito de conservação e manutenção do equipamento, o que acarretaria uma rápida deterioração, reconduzindo os esforços à estaca zero. Como integrar?
a) Criação de um ginásio poliesportivo com cobertura (basquete, futebol, artes marciais) que seja uma extensão dessas escolas que já existem dentro da Cruzada, com turmas regulares existentes dentro da comunidade, convidando seus professores a estender suas atividades com maior estrutura… Apenas estaríamos amplificando o que já existe, convidando os alunos e usuários a praticar suas atividades no parque, e, dessa forma, estimulando sua permanência dentro do Jardim de Alah. Com cursos e campeonatos bem estruturados e abertos a todos, mistura-se o garoto pobre da Cruzada com o menino de classe média do Leblon e Ipanema, o que é altamente benéfico, inclusivo e educativo. O esporte é uma ferramenta poderosíssima para evitar que o jovem caia em atividades ilícitas.
Esse complexo deveria estabelecer uma integração com as escolas da vizinhança (como a Henrique Dodsworth), estimulando o hábito de frequência nas crianças e ampliando o equipamento de cada escola, para que o parque seja uma extensão de seu programa curricular, tanto para atividades esportivas como para lições de sustentabilidade.
b) Criação de uma creche integrada que permita aos pais/mães da Cruzada trabalharem sem a preocupação de deixar seus filhos na rua ou sem atividades, o que muitas vezes acarreta desvios de vida para esses jovens, cuja integração é um dever e necessidade cívica da sociedade. Dentro da Cruzada, existem senhoras perfeitamente capazes de se encarregar do dia a dia dessas creches. Emprego estaria sendo criado e uma ligação direta com a comunidade também, exaltando o sentimento que o Jardim de Alah pertence também à Cruzada e não só aos vizinhos mais abastados.
c) Boa parte dos serviços de manutenção/jardinagem podem ser exercidos pelos locais, ampliando ainda mais a oferta de emprego. Parte das quadras esportivas podem ser construídas parcialmente sob a laje ajardinada, preservando-se a área de jardim.
3) O sucesso do Parque como ferramenta cultural e de lazer para todos passa por três necessidades: ser autossustentável, ter garantia de verba de manutenção anual e possuir um projeto de conteúdo que seja capaz de atrair o público o ano todo para o local.
— A autossustentabilidade e a manutenção estão diretamente ligadas à independência de verbas públicas, criando um duplo sistema de receitas inteiramente captadas na iniciativa privada:
a) obrigatoriedade da empresa concessionária e dos patrocinadores do espaço em investir anualmente um valor estimado que garanta a operação e manutenção;
b) obrigatoriedade de divisão de receitas em percentual definido, dos terceiros que vão explorar o comércio local (restaurantes etc…) para ser reinvestido na manutenção;
c) receitas oriundas do aluguel do equipamento para terceiros, para convenções na área da quadra polivalente ou outras, devem ser direcionadas integralmente para o fundo de desenvolvimento e manutenção do parque.
— O projeto de conteúdo dentro do ginásio e fora dele passa por: espaço de yoga, ginástica, campeonatos anuais de futebol e basquete nas escolas de base, convidando-se clubes e outras associações a participar, espaço para pocket shows de música, cursos e outros projetos que se possa imaginar, garantindo que o parque se torne um polo de atividades de educação e saúde, aberta à cidade toda, e integrando a todos.
Um parque deveria ser mais que um local contemplativo… Ele é um polo de união e integração de todos os habitantes, tornando a cidade mais humana e inclusiva. O Jardim de Alah é um projeto não só de integração Leblon-Ipanema mas também de livre circulação turística, como é o Museu do Amanhã ou o Boulevard Olímpico.
A revitalização do Jardim de Alah seria um presente para a cidade que ninguém deveria ser contra. É importante que seja feita de forma autossustentável, viável economicamente, para que dure para sempre, sem ficar à mercê de flutuações do poder público. Se pode ser viabilizado apenas com verba da iniciativa privada, tanto melhor… Assim sobrarão recursos para investimento em áreas menos favorecidas.
Foto: Bruno Ryfer
Ricardo Nauenberg é produtor e diretor de cinema e TV, além de outras plataformas. Foi diretor da TV Globo por mais de dez anos, fundou a Indústria Imaginária.