Há algum tempo, procurava um texto para encenar em comemoração aos meus 40 anos de carreira.
Desejava realizar um espetáculo que me desafiasse de alguma maneira, e celebrasse o entusiasmo e a paixão que tenho por meu ofício: a arte de contar histórias.
Não poderia imaginar que seria “A quebra”.
Num encontro com Marcus Montenegro, meu agente, ele sugeriu que eu fizesse um espetáculo sobre os abusos sexuais de menores na Igreja Católica.
Confesso que achei aquela ideia estranha e muito distante do que pretendia, mas, como já estava negociando outra peça, esqueci nossa conversa.
Quase um ano depois, assisti a um encontro do papa Francisco com algumas vítimas; aquilo me chamou atenção. Resolvi pesquisar e descobri vários livros, matérias jornalísticas, documentários e filmes de diversos países. Fiquei extremamente tocado e emocionado com os depoimentos das inúmeras vítimas que essa pesquisa me apresentou.
São milhares de casos em centros católicos por todo o mundo, como na Irlanda, Alemanha, Espanha, Austrália, México, Polônia, no Chile, nos Países Baixos e em muitos outros países. São relatos de pessoas, algumas da minha idade, que nunca se recuperaram ou tiveram suas vozes ouvidas.
Outra coisa que me motivou foi perceber que muito se fala sobre os abusadores e ver que várias estatísticas revelam que a maioria dos abusos sexuais aconteceram quando as crianças tinham entre 9 e 14 anos. Como podemos conceber que isso possa ser encoberto por membros do clero? E que a maioria das providências tomadas são apenas transferir os sacerdotes suspeitos de uma paróquia para a outra.
Muitas vezes, não nos damos conta de que “são crianças, não uma mera estatística”. Abastecido com essas informações e muita emoção, comecei a conceber “A quebra”.
Desde o início, sabia da responsabilidade de encenar, pela primeira vez no teatro, um tema tão delicado e nunca tive dúvidas de que essa era a história que queria contar. Minha família é católica, estudei num colégio jesuíta, onde recebi ensinamentos que me acompanham até hoje. Ali comecei a fazer teatro amador. Minha estreia como ator foi num espetáculo sobre São Francisco de Assis, e meu primeiro personagem foi frei Leão. Isso contribuiu para meu envolvimento e entrega a esse projeto.
E foi desafiador lidar com tudo isso. O que aconteceria com minha fé depois de saber e retratar essas histórias? Fui confrontado pelas mais diversas emoções durante os ensaios. E como diz um dos personagens, o Jornalista: “Eu não quero a destruição da Igreja. Eu quero que ela se livre desses criminosos.”
Convidei a autora Regiana Antonini, que escreveu o lindo texto do espetáculo, sensível, sincero e muito emocionante. Sou muito grato a ela, à Valéria Macedo, diretora de Produção e todos os talentosos e experientes profissionais que me acompanham nessa jornada.
São quatro os personagens que interpreto: o Cardeal, o Jornalista, o Padre e a Vítima.
É importante dizer que “A quebra” não é uma peça contra a Igreja Católica, e sim, uma reflexão sobre os abusos cometidos contra menores, aqueles que acobertam esses abusos e o silêncio que ainda impera no Brasil.
Quando comecei a falar da montagem do espetáculo, fui surpreendido pelo relato de pessoas próximas que sofreram abusos. E quando escutamos um relato num documentário, a gente se emociona, mas quando é alguém que você conhece, a dor é infinitamente maior. Temos recebido apoio de vários grupos católicos e sacerdotes que atuam para que esse mal possa ser enfrentado definitivamente pela Igreja Católica.
E isso reforça a importância e atualidade de nosso trabalho.
Jayme Periard é ator, 61 anos, 40 de carreira, comemorados no palco do Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, com a peça “A Quebra”, que estreia na segunda (04/09), um monólogo sobre a pedofilia em igrejas.