Já decretaram o fim da História, o fim do mundo, o fim da picada, o fim das ilusões.
E olha a História aí, com seus corcoveios e reviravoltas; o mundo, vasto mundo, quente como nunca; a picada se aprofundando, mais e mais, na mata densa; e as ilusões… dessas é melhor nem falar nada.
Pois ontem, 5 de agosto de 2023, o escritor Julián Fuks anunciou o fim da crônica.
“Ai de ti, Julián” — pensará Rubem Braga, lá no céu das borboletas amarelas, que é para onde vão os cronistas quando Cronos quer prosear com alguém que fale a sua língua.
“Pena que não dê para levá-lo ao Pepe” – lamentará Fernando Sabino, saudoso do mecânico da Francisco Otaviano, a quem recorria quando o carro começava a ratear. “Colunista também há de ter problema de entupimento na tubulação; precisará de diafragma novo, novas válvulas, novo dínamo, limpeza no carburador”.
“Só Tia Zulmira na causa!” — há de suspirar Sérgio Porto, enquanto Drummond vasculha a bolsa, em busca de um lenço, e pensa na vida.
“Quanto mais horas passo lendo crônicas do passado, mais percebo que não existe crônica no presente”, lamenta Fuks.
Pois é, as crônicas do passado partiram para novos desafios, picaram a mula, passaram o ponto. Perderam-se nas algibeiras de Machado de Assis, José de Alencar, Lima Barreto, João do Rio. Mas estes deixaram filhos, sobrinhos, netos, protegidos, afilhados.
Caminhasse pela praia, o coveiro da crônica se depararia com o olhar de Joaquim Ferreira dos Santos, espreitando da areia. Daria com Leo Aversa atravessando a rua, levando o filho pela mão (ou talvez sendo levado pelo pai). No bar, encontraria Antonio Prata. Mais adiante, na praça ainda sem nome, conheceria o mais espantoso nisso tudo, que atende por Cássio Zanatta.
“A crônica já não resiste à velocidade, aos imperativos da produtividade. A crônica não sabe existir neste mundo alucinado que já não alucina”, insiste Fuks, numa evidente alucinação.
Seria bom encaminhá-lo para o divã de Gregório Duvivier. Para se aconselhar com os gatos, os gadgets e os livros de Cora Rónai. Para uma caminhada na Lagoa com Fernanda Torres. Para dançar sob a chuva de papel picado com Martha Batalha. Certamente Fuks despiria a crônica dessa precoce e mal talhada mortalha.
Se morreram Leila Diniz, Elis, Danuza, por que não morreria a crônica? Se morreram Fernanda (forever) Young, Rita Lee, Erasmo, Gal, Cazuza – é natural supor que a crônica um dia venha a sucumbir também. Como, a seu tempo, hão de finar-se o riso, a música, a elegância. Mas não agora, não hoje, não já. Não neste século, não neste agosto.
Restará aos sonhadores e distraídos — crê o agourento — velar pelos também moribundos soneto, pintura e romance. Percebe-se, então, que o autor pretende uma carnificina…
Era notícia falsa! Podem retomar, sossegados, seus afazeres — na vida após o Epílogo — Antonio Maria, Paulo Mendes Campos, Otto, Vinícius, Millôr, Scliar. E Clarice, Caio Fernando, Jabor, Apicius, Cecília.
Do lado de cá, não falta quem (sob a inspiração de Luis Fernando Veríssimo, Mario Prata, Mauro Ventura, Mentor Neto, Carlos Eduardo Novaes, André Gabeh) não deixe a crônica morrer. Não é, André, Andréa, Fernandos, Paulos e Paula, Patrícia, Luíses, Adrianas? Ana Cláudia, Ana Lúcia, Cristina, Cristiane?
E quem não deixe a crônica acabar: Félix, Max, Fausta; Tirma, Teresa, Antônio, Sônia, Stefânia; Carlos, Cecília, Silvana; Maria Tereza, José Marcus, Manita, Marilane; Claudia, Maria Claudia, Gláucia, Guido, Glória; Cesar, Nelson, Evlyn, Regina; Bruno, Beatriz; Lui, Laerte, Levina; Ruth, Justino, Izabel; Fabio, Fabíola, Fabiana.
A crônica morreu? Que nada. Alguém sempre a socorre antes do parágrafo derradeiro.