A história da Barbie sempre foi uma história sobre a relação entre mães e filhas, através da qual se pode pensar sobre as origens da subjetividade feminina. Nessas origens, parece que encontramos um problema central: o da demanda por perfeição.
Podemos colocar essa demanda em termos de falsos deuses ou falsos profetas que a cultura exige serem adorados, como a beleza garantindo sucesso pessoal e profissional, uma espécie de atributo que faz cheques em branco para o destino preencher com vultosas quantias que avalizam o bem-estar, assim como garantem o apagamento de todas as opacidades, dificuldades subjetivas e tendências autodestrutivas.
Questões cruciais de vida sempre ocorrem na relação entre mães e filhas, e o desenvolvimento das perguntas e respostas vai depender muito do montante de insegurança que estas geram para ambos os lados da relação. Quanto maior a insegurança e a falta de respostas e a falta de respostas claras sobre a vida real, mais a busca pela perfeição se intensifica, e mais o modelo idealizado é, ao mesmo tempo, odiado pela impossibilidade de ser atingido. Escolhas afetivas, com enorme frequência, são feitas em cima dessas situações emocionais e subjetivas.
As questões podem ser, por exemplo: “Tenho que ser uma Barbie para ser amada?”, “Sou capaz de me sentir segura no papel do cuidado materno, ou vou exigir uma perfeição que me trará frustração constante?”, “Sou capaz de me sentir protegida pelo casal parental e formar um casal?”, “Sou capaz de aceitar um terceiro na relação, sem me sentir invadida por sentimentos de menos valia, ciúmes e inveja?”, “Sou capaz de manter um senso correto de julgamento sobre a natureza ética da sociedade, da família e de mim mesmo?”, “Sou capaz de desenvolver independência, autonomia, e manter respeito por mim mesmo como mulher e ser humano?”
Em psicanálise, essas perguntas estão contidas no que se conhece por “dilema edípico”. Com frequência, a perfeição exigida e não cumprida gera culpa, o que faz do corpo feminino algo perigoso, dificultando a avaliação correta da responsabilidade que as mulheres têm quando estão grávidas, ou quando dão à luz um bebê, e tudo que se segue na vida. Uma responsabilidade que se conecta com as associações com a imagem idealizada de guardiãs da vida, mas também com as distorções desse papel que sugerem morte, ansiedades e reprovação por parte da sociedade.
Se a relação entre mãe e filhas fica aprisionada pelas mensagens inconscientes que fazem o corpo da mulher algo perigoso e, portanto, algo que deve ser atacado de forma assassina ou depreciado, isso frequentemente se transforma num ciclo muito difícil de ser rompido.
Uma infinidade de exemplos que percorrem a história da humanidade de crimes contra as mulheres, tais como feminicídios, espancamentos, controle, brutalidades diversas, negação de direitos iguais, são provas incontestes desses problemas que sempre existiram.
Arnaldo Chuster é médico psiquiatra e psicanalista. Membro efetivo da Sociedade Psicanalítica do Rio e do Newport Psychoanalytical Institute, Irvine, Califórnia. Autor e coautor de 22 livros de psicanálise.