Vivi uma infância no Rio, próximo a galerias de arte. A meia quadra do prédio da minha avó, em Copacabana, tinha a Bonino, com sua imensa fachada de vidro, um projeto incrível de Sérgio Bernardes. E, a caminho do colégio, em Ipanema, uma casa que lembro, antiguinha, abrigava a Galeria Goeldi, com suas gravuras muito escuras, do autor-proprietário, na pequena vitrine. Na volta, me atraía também, na quadra da praia, uma casa bucólica do início do século XX, com aquela que trazia o nome do bairro, a Galeria Ipanema. Depois, na juventude, o trabalho de assessoria de imprensa me levou muitas vezes ao Shopping da Gávea, ponto de encontro de artistas e colecionadores por conta das galerias cult, como Paulo Klabin, Saramenha e Anna Maria Niemeyer (as duas últimas eram minhas clientes), dentre outras, como a Contorno.
As galerias tinham então morada constante nos bairros da Zona Sul, junto a seu público comprador. No Posto 6, uma concentração importante delas aconteceu no Shopping Cassino Atlântico, e a atividade se estendeu por casarões de Botafogo, lojas em Ipanema e no Leblon, incluindo também os shopping centers Rio Design Center (hoje Leblon) e São Conrado Fashion Mall, chegando à Barra da Tijuca e ao Centro da cidade, próximo às instituições culturais. Assim, o Rio foi por aí, disseminando a arte exibida fora do domínio institucional dos museus e dos nascentes centros culturais, e sendo comercializada por marchands em suas galerias que se espalhavam, mas atendiam quase sempre o mesmo público — os quem colecionavam e demais interessados na arte e/ou na decoração, os amigos, outros artistas, “a classe”.
Na minha volta ao Rio, no início destes anos 2020, depois de quase duas décadas em São Paulo, reencontrei a arte exposta na cidade de forma mais descentralizada, democrática e demograficamente mais bem distribuída, da Zona Norte à Zona Sul. Ainda que aberta há mais de dez anos, a Galeria de Arte Solar, na comunidade Pavão-Pavãozinho, foi minha primeira incursão no morro vizinho de uma das ruas onde havia morado. A visita à Nonada ZN, na Penha, instalada na antiga fábrica Marilan, foi outra grata surpresa. Fiquei devendo uma visita ao Galpão 808, no Engenho de Dentro, para a qual fui convidado por um curador paulista. Tenho ainda que conhecer a Metara, que iniciou em Botafogo e agora está na Saúde/Gamboa, e assim aproveito para passar no Inclusartiz, o centro cultural que diz em seu nome a que veio.
Galerias no Rio não são mais um privilégio de poucos, mas lugares de real apresentação da diversidade nas produções carioca e brasileira de uma forma geral, para muito além das muitas técnicas e estilos, vernissages e finissages elitistas. O foco se abriu e busca realizar exposições alternativas, propõe um pensamento mais abrangente, um acesso popular que englobe outras manifestações das demais formas artísticas, e a participação mais ativa do visitante de qualquer idade, gênero ou condição social e intelectual. E eu, que abri há um ano e meio uma galeria (Gozto) de design e arte no charmosíssimo e restaurado (pelo grupo hoteleiro francês Accor) sítio histórico do Largo do Boticário, no Cosme Velho, cheguei a pensar que ali, depois de um período áureo de sua intelectualidade — vide os moradores, como a crítica de teatro Bárbara Heliodora e o artista completo Augusto Rodrigues, e seus convidados, de Di Cavalcanti a Clarice Lispector, além do glamour dos Klabins, Vanda e Paulo, e suas festas, de Gustavo e Guiomar Magalhães… —, era um lugar “fora de mão”. Que nada! A galeria Z42, nossa vizinha abaixo, está lá, numa linda casa, há exatos dez anos…
E ainda na arte: a Casa Roberto Marinho brilha a 400 metros de nós, com suas exposições, e a casa da família Geyer, mais acima, em breve fica pronta para visitação… Enfim, um novo polo temático vai se formando por ali… Então: visite sem receio todas as galerias que puder na cidade, e venha também ver o design e a arte na gozto__ , no Beco do Boticário 1, nas tardes de terça-feira a sábado. Depois tome um drink no hotel/hostel Jo&Joe, que viabilizou novamente a ocupação do Largo como um dos lugares / pontos turísticos mais bonitos do nosso Rio!
Sérgio Zobaran é jornalista e galerista.