É muito difícil entender que o Zé morreu. Muito. O Zé que o público via é esse que a imprensa repercutiu: o escandaloso lindo que dança, um showman do candomblé brechtiano ao samba-canção, esse da eterna Cacilda, que se transforma na máquina teatral atual. Sim, se transforma num Dionísio e sai a caçar tudo o que há de podre em volta e trata de urrar.
E é bom que se mantenha essa figura no imaginário popular. Afinal, o artista pertence ao público e não a ele próprio. Mas o Zé é radicalmente o oposto dessa imagem, ou seja: quieto, pacato, de óculos, lendo jornal e com mil perguntas na língua e na ponta dos óculos.
Olha só, eu falo do Zé no presente. Acho que jamais conseguiria falar dele no passado — isso jamais vai acontecer. O Zé que eu tenho como amigo há 40 anos é um escândalo de lindo, um escândalo de culto e um escândalo de escandaloso. Isso tudo porque o Zé é o “Teatro do Mundo”. O melhor do mundo. Olha só pra ele! Olha como ele se transforma: efêmero e concreto, etéreo, o extasiante “Eleutério”, ele zomba dele próprio e de você. Zomba também das nações, organizadas ou não, unidas, nascidas ou não, colonizadas ou não. O Zé está sempre pronto para uma revolução!
“Macacos me mordam” ele berrou certa vez. “Gerald, você ouviu?” “Macacos me mordam” ele se referia a humanos expatriados duplamente nascidos e que, mesmo assim não têm onde morar. O Zé é o maior do mundo — não somente do Brasil, mas do mundo. Não importa a peça. Não importa nada disso. Importa a ideia e importa o espetáculo que é a sua vida. O Zé é, em parte, esse Dionisio. Sim, olha só pra ele! Olha como ele se transforma. Efêmero e concreto, etéreo, o extasiante “Eleutério”, aquele zoneador duplamente nascido e aquele que “baixa” assim como quem voa! E quem está ao seu lado recebe as incríveis vibrações, as ondas, um entendimento de toda a Cultura (do pé ao topo da cabeça). Zé Celso é o “maior espetáculo da Terra”. Ele é isso quando está somente sentado e abre os braços. Esses braços são feitos de magnésio. Heavy Metal sim.
Somos de teatro e do teatro. Temos sentimentos e estamos conscientes dos sentimentos que nutrem por nós. É essa troca que nos alimenta. Não é um amor tão profundo como se imagina. Calma! Também não é frio. É um amor que espia de fora. Descrito assim, parece morno, não? Mas não é. É somente um pouco distante, como Brecht. Um pouco calculado. Sem ele, sem esse cálculo, não se chegaria ao teatro. É isso que Zé Celso anteviu em meados dos anos 60.
Gerald Thomas é autor e diretor de teatro.