O mundo é binário, e se divide entre os que coam café e os que passam café.
Entre os que tomam café e os que bebem café.
Entre os que colocam açúcar no café e os psicopatas.
Entre os que descascam laranja em gomo ou em tampa.
Entre os que calçam cada uma das meias e o respectivo pé do sapato, e os que calçam as duas meias primeiro para só depois calçar os sapatos. Que coincidem, com quase certeza, com as categorias de quem escreve a palavra inteira e depois é que corta os tt e pinga os ii ou com a de quem vai cortando e pingando para não deixar nenhuma letra inacabada.
Entre os que usam ponto e vírgula e os analfabetos funcionais.
Entre os que falam ao celular no elevador e os aptos a viver em sociedade.
Entre os que transam e os que mantêm relações. (Conselho de amigo: fuja de quem pertença a essa segunda categoria.)
Entre quem saiba o que é o subjuntivo e quem não tem ideia do que isso é.
Entre os que não entendem Lacan e os que fingem que entenderam.
Entre democratas e “democratas”.
Entre os que deixam o cachorro subir no sofá e na cama e os que deveriam optar por tartarugas, iguanas ou tarântulas como animais de estimação.
Entre os que têm amor à vida e os que se casam com mulheres de Escorpião.
Entre os que usam camisa polo para dentro da calça e os que ainda têm salvação.
Entre os que se esmeram nas preliminares e os que ainda não chegaram aos 50.
Entre os que jamais usam marca-texto nos livros ou dobram as pontas das páginas e os abusados.
Entre os que deixam a louça suja para amanhã e aqueles para quem, a persistirem os sintomas, um psiquiatra deve ser providenciado.
Entre os que dizem para os filhos “Na volta a gente para” (e param mesmo) e os pais da gente.
Entre os que detectam que o filme é ruim e desistem nos primeiros cinco minutos e os que, contra todas as evidências, vão até o fim, pra ver se melhora. (Não, não melhora. Se o filhote mia, não precisa esperar crescer para saber que é um gato.)
Entre os que já amaram e os que ainda acreditam no amor verdadeiro.
Entre os que acham que o sinal amarelo quer dizer “Pare” e os que têm certeza de que é “Acelera!”.
Entre os que concebem um mundo não-binário e os que leram “Ou isso ou aquilo”, da Cecília Meirelles, em tenra idade, e jamais serão capazes de assimilar esse conceito.