A palavra “pedantocracia” deriva de “pedante”, um termo que originalmente se referia a um mestre-escola ou tutor de crianças (pedos em grego), mas que passou a ter um sentido pejorativo para designar uma pessoa que ostenta um conhecimento arrogante, conjuntamente com estreiteza mental e crueldade.
Pedantocracia, em termos mais gerais, significa um governo em que seus principais dirigentes acreditam que uma única ideologia é uma verdade válida para todo o país, que ela é universal, e que todo mundo deve aceitá-la. Isso favorece a ascensão de pessoas medíocres e personalidades psicopáticas ao poder, em detrimento da criatividade, originalidade e pensamento crítico. A perda ou ausência desses valores éticos e estéticos encontra-se na raiz das ideologias totalitárias como o Nazismo, o Fascismo e o Comunismo.
As ideologias têm em comum o fato de serem sempre dualistas e simplistas. Elas definem, sem responsabilidade alguma, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, e assim por diante. Todavia, não acontece jamais um caso em que as coisas possam se resolver de forma tão simples; pelo contrário, posturas simplistas só agravam problemas históricos e sociais preexistentes, incluindo aqui os problemas de saúde mental. Um dos principais é tornar a mente prisioneira de um funcionamento tribal, com lógicas muito primitivas, paranoicas e alucinatórias, e que não favorecem a civilização.
O simplismo é sinônimo de cegueira ideológica, que vem sempre acompanhada de prática da desonestidade intelectual, que permite exaltar a ignorância e a alienação, o que não se faz sem a prática da mentira contumaz.
A mentira cria uma inversão de valores, confunde os significados, inibe o crescimento mental, destrói o Ser das pessoas, gerando problemas mentais pelo consequente aumento de ansiedades e vazio interior.
Um ato frequente na pedantocracia é utilizar as ciências para validar suas verdades totalitárias, a serem impostas sobre o corpo social. Os pedantes falam “em nome” da Ciência. Na realidade, tudo o que conhecemos sobre as ciências indica que só é possível alcançar verdades localizadas, singularidades. Se mudarmos de sistema, mudaremos de verdade. Não se pode aqui confundir essa crítica com ceticismo e dizer que não existe nenhuma verdade. Existe a verdade humana que podemos chamar de ética, e esta confere o que podemos desenvolver como humanidade. Todavia, por ser totalmente dependente (no sentido de uma droga química) da mentira, a pedantocracia só pode abominar a ética.
O problema é muito complexo — envolve uma investigação dos redutos muito bem escondidos nas profundezas humanas. Não se aborda essa questão sem riscos. A imaginação dos pedantocratas se exerce muito bem na criação de intrigas e destruição de quem não lhes é submisso ou conforme. Eles não suportam críticas, são narcisistas ferozes e doentios; perseguem quem os critica e usam a máquina estatal para se vingar. Contam com apoio de uma mídia que nada difere — pela contumácia da mentira e da venalidade oportunista — da mídia idealizada por Goebbels, o ministro da propaganda nazista.
Contar, fabricar uma mentira, criar uma fakenews, é um ato perverso, um ato sinteticamente perverso. A principal intenção é entrar na mente das pessoas para aterrorizá-las e assim manipulá-las com intuito de extorqui-las ou chantageá-las. Isso em nada as difere de terroristas.
A fakenews é também uma arma política de triunfo perverso para destruir a própria política e obviamente o papel dos políticos. Quando se veem enredados pelas fakenews, os partidos políticos ficam movidos por desejos de vingança, represália e perseguição política, assim perdendo sua capacidade para resolver problemas sociais e políticos. Nesse ponto, tem sido costumeiro transferir o problema para a esfera do Judiciário.
Por sua vez, o Judiciário, ao invés de agir lógica e eticamente, devolvendo à política o que é a sua função, inibiu a política, e também o Direito, ao aceitar o que não é da sua função: o papel político. Igualmente perverso é se atribuir um papel que não é o próprio e achar que está acima do bem e do mal, podendo assim dispensar a ética.
Não é sem razão que esses operadores do Direito, usurpando a função dos políticos, passaram a agir com deboche autoritário. O deboche está na fala, na relação com a verdade do pensamento, e chega ao ato estapafúrdio de vir de quem se espera imparcialidade e equilíbrio emocional, expressar-se disfuncionalmente .
A perversão geralmente é definida arbitrariamente pelo conteúdo do que se está fazendo em práticas sexuais, mas não são essas práticas que a definem. A perversão reside na estrutura formal de como o perverso se relaciona com a verdade e a fala. Os perversos reivindicam acesso direto a uma superioridade e grandiosidade moral, que vai de Deus à História. Eles discursam com termos vagos… Referem-se a “eles”, ao “povo”, à “oposição” — palavras que ninguém sabe, com precisão, o que significam.
Os perversos usam expressões simplórias e simplistas com o pretexto de assim falar a linguagem do “povo”, mas o fazem para se colocar no lugar da indefinição e do vazio, que é preenchido pelo desejo de quem escuta. Ele é o onipotente oportunista fabricando cinicamente inverdades para atender ao desejo do outro.
O cinismo vazio a serviço da onipotência destrói até mesmo as crenças mais fundamentadas e implanta dogmas que não podem ser contestados. A perversão representa a morte da verdade, ceifando e envenenando tudo por onde passa, criando um mar de lama onde deveriam florescer os valores éticos e estéticos.
Arnaldo Chuster é psiquiatra psicanalista.