A ideia de amor à primeira vista é considerada algo discutível até que um dia deparamos com ela. Normalmente associado às paixões amorosas, esse conceito atravessa outros campos; pode-se viver uma vida inteira sem experimentar tal sensação. No entanto, quando ela surge, não há dúvidas — é uma questão de apenas sentir e, ao sentir, ter aquela certeza quase absoluta de que não há mais como passar os dias sem o objeto do nosso amor à primeira vista. Foi exatamente assim que me senti quando, aos 20 e poucos anos, assisti à minha primeira aula de Dermatologia no 4º ano da Faculdade de Medicina.
Escrevo estas linhas no aeroporto, em Amsterdã, à espera da conexão de um voo para Singapura. Tantos anos depois dessa experiência de amor à primeira vista, embarco para participar de mais um Congresso Mundial de Dermatologia, o mais importante evento da minha especialidade, que acaba neste domingo (8 de julho). Desta vez, tenho uma missão especial: falar para meus colegas do mundo inteiro numa das palestras plenárias sobre a Dermatologia Estética, seus pioneiros e seu potencial crescimento nos últimos anos.
A caminho desse evento tão importante da minha carreira, me lembro novamente daquela primeira aula de Dermatologia, quando tive a certeza: é isso que quero fazer por toda a minha vida. Vejo tantos jovens estudantes confusos com suas escolhas sobre o futuro, sobre a profissão, sobre as especialidades dentro de uma carreira, que realmente me senti privilegiada por ser movida tão cedo pela paixão. Eu não sabia nem estava preocupada se “o mercado” seria bom ou não e se haveria espaço para mim ou não. Minha escolha estava feita embora eu não tivesse noção alguma da revolução que estaria por vir nessa especialidade, com o franco desenvolvimento da Dermatologia Estética a partir da evolução das tecnologias e da pesquisa científica.
A alguns pode parecer exagero eu dizer que senti realmente um amor à primeira vista, mas não. Eu me apaixonei por essa, que é a especialidade do maior órgão do corpo humano – e havia uma grandiosidade para mim em entender que eu me dedicaria a isso. Além disso, descobri também, naquelas primeiras aulas, que essa é também a especialidade da Medicina que tem o maior número de doenças descritas, ou seja, uma infinidade de abordagens que eu poderia desenvolver e me especializar nelas. O encantamento por aquele tema ao qual eu me dedicaria nas próximas décadas foi fundamental para as dezenas de estudos que realizei nos anos seguintes, para as centenas de publicações que escrevi e para os milhares de pacientes que passaram pelas minhas clínicas, em Ipanema e em Porto Alegre.
A caminho do Congresso, posso dizer que tem sido um privilégio participar do crescimento da Dermatologia Estética nessas últimas três décadas que marcaram a ascensão dessa subespecialidade da Dermatologia. Minha paixão foi tamanha, que me dediquei, como outros colegas do mundo inteiro, a desenvolver protocolos novos que revolucionaram os tratamentos e procedimentos estéticos com técnicas minimamente invasivas de rejuvenescimento e embelezamento. Entre as minhas contribuições que foram adotadas em diversos países, estão técnicas como a Subcision no tratamento da celulite, considerada hoje de primeira escolha no tratamento dessa condição, além de continuar conduzindo estudos e pesquisas, a maioria deles na área cosmética.
Quando olho para trás e vejo que tive mais de 160 publicações nacionais e internacionais, percebo que todo esse esforço e dedicação foram movidos por aquele mesmo amor que senti na primeira aula. Ensinei a colegas e aprendi com eles, e assim continuo a fazer. Ganhei mais do que pacientes: ganhei amigos que considero os melhores pacientes do mundo.
Por outro lado, vejo com tristeza a banalização de procedimentos, as padronizações de faces, com bocas exageradas e peles esticadas por volumes enormes de preenchedores. Talvez seja resultado do grande crescimento da Dermatologia Estética nos últimos anos, mas isso não me desmotiva. As redes sociais estão poluídas por muitas ofertas de tratamento, convencendo os pacientes de que eles precisam de tudo isso e também do que está por chegar ao mercado. Mas não é assim. Cada pessoa tem indicações específicas, e um profissional sério se limita a indicar o que o paciente realmente precisa e oferece as opções de tratamento mais seguras e efetivas, pois hoje temos muitas. Por isso, antes de fazer uma última revisão da palestra que vou apresentar no Congresso, reforço para mim mesma a paixão que me motivou e que me fará continuar a trabalhar, a palestrar e a estudar para que tenhamos profissionais atentos e preparados para oferecer o que há de melhor — e não de exagerado — aos pacientes. E sem esquecer jamais que, em se tratando de estética, menos continua sendo mais, como também é mais o chamado “luxo silencioso”.
Doris Hexsel é dermatologista com especial dedicação à Dermatologia Cosmética, através da qual se tornou conhecida e respeitada. Foi a única brasileira a apresentar uma das palestras plenárias do Congresso Mundial de Dermatologia, entre 3 e 8 de julho, em Singapura. Natural de Passo Fundo (RS), é diretora médica das Clínicas Hexsel de Dermatologia, com filiais em Ipanema e em Porto Alegre. A médica é a presidente do próximo congresso anual da International Society for Dermatologic Surgery (ISDS), que será realizado no Rio, em setembro.