Um dos meus maiores medos, quando criança, era morrer dormindo. Tinham me apavorado com a ideia de que quem morre nos braços de Morfeu não tem tempo para se arrepender dos pecados, perde o indulto divino e vai direto para as garras do Capeta.
Por muitos anos, na hora de dormir eu tentava me lembrar do que poderia me catapultar da cama para o inferno, sem escalas – mas que pecados um garoto tímido, gago, temente a Deus e bobo de dar dó poderia cometer?
Bem, eu matava formigas. Comia colheradas de açúcar, às escondidas. Mentia que tinha escovado os dentes. Fantasiava as delícias de ser filho único – o que implicava, ainda que involuntariamente, uma chacina familiar, já que era o mais velho de uma prole de cinco.
Então dá-lhe me arrepender disso todas as noites, e inventar fórmulas que incluíssem pecados que eu talvez pecasse sem saber que pecava.
Igual ao terror de ir para o inferno (fosse por ter matado formigas, fosse por sonhar trocar a primogenitura por um quarto só meu) era me imaginar abrindo os olhos e… estar já do outro lado. Sem exame de admissão, sem dicas do que fazer, a quem me dirigir, que tratamento usar.
Venci a infância, a adolescência e a idade adulta, sem morrer – acordado ou dormindo. Mas agora volto a temer que a iniludível me alcance entre uma apneia e outra, no meio de um pesadelo. Não que eu tema o encontro às cegas com o Capeta (céu e inferno são privilégio dos que creem; ateus morrem e zefini). Meu medo é me encontrarem na manhã seguinte, morto e vestido daquele jeito.
É que, depois de certa idade, nos libertamos de certas amarras estéticas. Como, por exemplo, vestir roupas decentes para dormir.
Camisetas puídas e desbeiçadas são muito mais confortáveis. Não há o que se compare a uma comfort t-shirt que nos acompanhe desde o Plano Collor, ou a um calção comprado para a primeira (e única) aula de aeróbica (ao som de Footloose, se não me engano). Isso, sim, é roupa de dormir – uma malha já domesticada pelo corpo, shorts dentro dos quais a gente se sinta livre, leve & solto.
O problema é que ter um nude vazado na internet causará menos danos à imagem que ser visto nesses trajes.
Imagine enfartar assim, no meio da madrugada, e dar entrada na emergência do Barra D’Or em trajes que seriam educadamente (ou não tão educadamente assim) recusados pelo Exército da Salvação.
Logo depois de aferir a pressão arterial e antes de tomar os tarja-preta de toda noite, eu penso: “É, não vai ser hoje”. E pego o short decano da gaveta e a camiseta mais provecta da prateleira.
Só quando pinta uma cisma, bate um pressentimento ou o pandeiro do peito resolve mudar o repertório é que me sujeito a dormir decentemente trajado.
É incômodo o elástico apertando na cintura, é desconfortável aquela malha ainda não quase transparente. Mas pelo menos não corro o risco de que a última coisa a ser dita sobre mim não seja “Nossa, ainda tão moço…” mas “Nossa, que estado lastimável essa camiseta…”.