Numa conversa com um aluno, que é ator e músico, perguntei qual seria o maior desafio enfrentado pelos artistas atualmente. A resposta foi direta: a disputa pela atenção.
A tecnologia promoveu a democratização do mercado das artes, abrindo oportunidades para uma gama mais ampla de artistas. Hoje, a distribuição e o consumo estão na palma da mão: basta um celular para postar e distribuir para o público que consome também por este meio. A distribuição de conteúdo digital deu voz a inúmeros novos artistas, mas, ao mesmo tempo, a competição pelo público atingiu proporções globais: milhares de artistas e produtores de conteúdo de todos os cantos do planeta lutam pela atenção do público. Neste mundo hiper conectado pode ser difícil para um artista ter o tempo para se inspirar e criar. E para alguns, estar no digital pode ser um fardo.
Voltando no tempo, na Grécia Antiga, a inspiração vinha da desconexão. Esta é a origem da palavra museu, ou “museum”, a “casa das musas” inspiradoras. Os museus foram concebidos como espaços para promover a desconexão para inspirar a criatividade. Eram casas belíssimas adornadas com jardins e obras de arte, onde as pessoas iam para se desligar do mundo e encontrar inspiração.
Hoje em dia estes momentos de desconexão são raros. O artista do século XXI não se limita a fazer a sua arte. No mundo hiper conectado, são muitas exigências para conquistar e cultivar sua comunidade de fãs. Hoje o artista precisa administrar uma marca. Isso traz novos desafios:
Um deles é a necessidade de construir um branding pessoal forte. Os artistas devem criar uma identidade única e autêntica para se destacarem no mundo digital. Nesse contexto, a importância da autenticidade não pode ser subestimada. A autenticidade é o que diferencia um artista dos demais, permitindo que revele sua verdadeira essência e estabeleça uma conexão genuína com o público, transmitindo sua originalidade e construindo uma base de fãs leais. Ser autêntico permite que o artista se destaque na indústria e deixe uma marca duradoura, tornando-se uma referência única e inimitável. A autenticidade, aliada ao branding, auxilia os artistas a se destacarem em um mercado altamente competitivo. Ao construírem uma identidade sólida e coerente, os artistas podem criar laços emocionais com seu público, o que resulta em maior engajamento e fidelidade dos fãs.
No entanto, surge um outro desafio: como conciliar autenticidade e popularidade? Como os artistas podem manter-se fiéis à sua visão artística enquanto buscam atrair um público mais amplo? Acredito que, nessa relação, a autenticidade seja mais importante do que a popularidade. Uma carreira construída de forma autêntica cria vínculos genuínos e consistentes, resultando em um sucesso duradouro. Hoje em dia, a relação entre artista e público é mais direta do que nunca. Essa interação direta com os fãs e seguidores influencia a carreira e a criação artística, mas pode levar o artista a se perder ao tentar agradar a um público mais amplo. Porém, é importante lembrar que a falsidade é rapidamente desmascarada, o que pode levar o artista a perder seus fãs mais fiéis e alinhados com sua verdadeira arte. Por isso, manter-se verdadeiro e fiel à sua essência é fundamental.
Outra questão importante é a monetização da arte. Os artistas enfrentam inúmeros desafios para obter uma remuneração justa por seu trabalho na era digital. O controle dos direitos autorais e a proteção da propriedade intelectual em um ambiente digital propenso à reprodução não autorizada são questões cruciais. Em relação à monetização, novas estratégias estão surgindo e novos modelos de negócio vêm sendo desenvolvidos. Parcerias com empresas, desenvolvimento de produtos e o uso de NFTs (tokens não fungíveis) são algumas das tendências que podem ser exploradas.
Neste novo cenário, uma carreira artística requer tanto planejamento quanto qualquer outro negócio. A arte é a matéria-prima, mas é preciso pensar em outros pilares que impulsionam o sucesso, como definir objetivos claros, estratégias inovadoras dentro de um cronograma viável e um planejamento financeiro detalhado. Além disso, é essencial considerar a marca pessoal, traduzir o propósito em imagem, desenvolver produtos audiovisuais e explorar as possibilidades do marketing digital.
Diante desses desafios, a formação do artista ou do profissional que gerencia a carreira artística é fundamental para o sucesso a longo prazo. Para o artista, é importante adquirir conhecimento e se manter atualizado, mas também é essencial respeitar sua própria natureza e encontrar tempo para se dedicar à sua arte. Já para o profissional que trabalha com artistas, é necessário buscar atualização constante, respeitar a autenticidade do artista e ter um planejamento disciplinado para cultivar e encantar a comunidade de fãs.
Resumindo: trabalhar com arte no século XXI é uma jornada que exige tempo, esforço e conhecimento. É necessário buscar uma formação sólida e se manter atualizado para construir uma carreira de sucesso com consistência. A arte é um poderoso meio de expressão, e aqueles que desejam trilhar esse caminho devem estar dispostos a enfrentar os desafios com criatividade, autenticidade e determinação.
Alessandra Baiocchi é professora de Marketing e Coordenadora do MBA de Gestão de Marketing do IAG PUC-Rio. É Mestre e Doutora em Administração de Empresas com ênfase em Marketing pela PUC-Rio com doutorado sanduíche na HEC Montréal, Carmelle and Rémi-Marcoux Chair of Arts Management. É também pianista e já trabalhou com teatro musical infantil, música e dança flamenca. Sua tese de doutorado, “Branding of Creative Cities”, sobre o impacto da música ao vivo nas cidades, recebeu o prêmio “Rio de Economia Criativa”, no ano passado.