Se existe um fenômeno inabalável no Brasil é o do fogo eterno das bandas surgidas na década de 1980. Esta semana, foi publicado no Diário Oficial, a instituição do “Dia Estadual do Rock Brasileiro”, em 11 de outubro, data da morte de Renato Russo, vocalista da Legião Urbana. Mas foi a Blitz, liderada por Evandro Mesquita, que abriu os caminhos para todas as outras.
“Estava descoberta a pólvora”, resumiu Arthur Dapieve, em “BRock — O Rock Brasileiro dos Anos 80″ (1995) — os historiadores do gênero nunca negaram que a Blitz abriu as portas para Barão Vermelho, Paralamas, Titãs, RPM e Legião Urbana, mas toda essa história está em 308 páginas de “As aventuras da Blitz” (2009), do jornalista Rodrigo Rodrigues.
Desde a criação, em 1982, com alguns hiatos (Evandro ficou na ativa entre 1982 e 1986; 1994 a 1999; e 2006 até hoje), a banda nunca parou de lotar shows com seu som divertido, letras leves e refrões “chiclete” que acompanham gerações. Desde janeiro, eles circulam com a “Turnê sem fim” — título superpropício — e, no próximo sábado (10/06), em comemoração ao Dia dos Namorados, tocam no Morro da Urca, com o Barão Vermelho.
Um dos segredos, digamos, dessa juventude, é a alma carioca dos integrantes, principalmente do vocalista, com todo seu “carioquês”, aos 71 anos: “Uma das maneiras de se manter jovem é nunca pensar em idade. O que me interessa é a relação que eu tenho com a vida hoje e no máximo o que eu vou fazer na semana que vem”, diz ele, que sempre foi saudável e mantém a energia de menino com natação, musculação e jiu jitsu.
Os dois únicos assuntos que o envelhecem são o descaso do carioca com sua cidade e quando seu time, Fluminense, perde: “O que mais amo no Rio é a natureza, a praia. O que mais me incomoda é a praia do Rio, das pessoas que não cuidam dessa beleza como deveriam. Se cada um cuidasse do seu, poderíamos usufruir de uma praia mais limpa, mas elas jogam muito lixo, fico puto”.
Em 2020, a história do grupo foi para os telões, em “Blitz — o Filme”, e no ano passado, homenageada no Rock in Rio. A formação atual é Evandro, Billy Forghieri (teclados), Juba (bateria), Rogério Meanda (guitarra), Alana Alberg (baixo), Andréa Coutinho (backing vocal e mulher de Evandro, com quem tem uma filha, Manuela, de 16 anos) e Nicole Cyrne (backing vocal).
UMA LOUCURA: Ainda nos anos 1970 a galera decidiu ir até o Porto de Santos, onde morava o dinamarquês Tattoo Lucky (Knud Harald Lykke Gregersen, o primeiro tatuador profissional no País, que chegou a Santos em 1959 trazendo a primeira máquina elétrica). Fomos de ônibus e quando chegamos a loja nem tinha aberto ainda, ele mandou a gente ficar tomando cerveja no bar ao lado para já ir anestesiando e a gente fez a tatuagem. Uma dor ferrada. Voltamos com febre no ônibus, mas todos orgulhosos de ser da segunda turma de tatuagens do Rio. (A primeira foi Tide, Paulo, Pedro Sax, Clóvis e Willy; a segunda Lui, Zé Edmundo, Maysa e Evandro; a terceira Gregório e Petit, além de outros surfistas, conhecidos na época como “meninos do Rio” — inspirado nesta revolução contracultural dos caretas, Caetano Veloso compôs a música de mesmo título).
UMA ROUBADA: Operar os meniscos na década de 1980 quando eu estava no auge, jogava futebol pela Gama Filho, fazia Educação Física e era do time da faculdade, que era seríssimo, ganhando meia bolsa, mas me machuquei e, na época, a operação era a retirada total dos meniscos. Até hoje sofro com isso. Um camundongo invadiu a minha casa, provocou uma perseguição e, depois de pisar em falso um degrau, os joelhos rangeram, o roedor fugiu e as chuteiras penduradas. (A paixão era tanta que Evandro, que fazia parte do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, sucesso em 1970, deixou Regina Casé e Patrícia Travassos em pânico quando trocou o ensaio por uma pelada com Paulo Cezar Caju e Bob Marley no campo de Chico Buarque. Quem negaria?).
UMA IDEIA FIXA: Conseguir filmar uma série que eu escrevi e que anda batendo na trave, mas tenho certeza que será um golaço quando a gente produzir, porque tem humor, suspense e é uma ideia original. Escrevi durante a pandemia (para não dar ruim, ele não deu detalhes).
UM PORRE: Tão poucos que nem me lembro para contar.
UMA FRUSTRAÇÃO: Quando eu descobri que Papai Noel não existia. Fiquei chocado e decepcionado, porque queria acreditar naquela magia. Então sempre me lembro do dia, da cor da tarde, do local. As outras frustrações eu procurei lidar com elas da melhor maneira possível.
UM APAGÃO: Da Light. A companhia sempre consegue me deixar frustrado e puto quando tem queda de luz e é exatamente na hora do jogo do Fluminense, como na última semana.
UMA SÍNDROME: Tenho uma certa claustrofobia de elevador cheio, carros muitos cheios e lugares cheios, Não fico tão à vontade e isso deve ser alguma síndrome. Preciso de liberdade.
UM MEDO: Medo do mundo, que às vezes tem essa tendência para o fascismo, racismo, negacionismo, isso tudo é horrível. Meço muito também através das redes sociais (ele tem 600 mil seguidores no Instagram). Ali é a minha brincadeirinha preferida, posto vídeos que eu gostaria de ver e procuro equilibrar com opiniões próprias sobre a situação do Brasil e do mundo e sei driblar os haters e os burros. Adoro os comentários de pessoas que curtem e que também estão aptas para uma discussão com um nível melhor, porque assim a brincadeira fica gostosa e eu vou continuar curtindo e agradecendo aos fãs e seguidores.
UM DEFEITO: Defeito é não ter a mesma habilidade na perna esquerda do que na direita.
UM DESPRAZER: Seria colocar a mão no bolso e ver que você perdeu os documentos e está no aeroporto, pronto para embarcar. Na realidade, isso seria um pânico.
UM INSUCESSO: O Plano Collor. Quando a gente estava filmando “Não quero falar sobre isso agora” (1996), roteiro meu com Mauro Farias, e o governo acabou com a Embrafilme e tivemos que nos virar, todo mundo era boy, fazia de tudo, foram tempos difíceis, mas o que nos deu uma boa união para finalizar o projeto. No fim, a produção ganhou quatro Kikitos e tenho o Prêmio Shell de autor na peça “Esse cara não existe”, também com Mauro Farias. Esse lado compositor, da palavra, é um exercício de muito tempo e estou investindo muito tempo e emoção nessa série, mas não sou bom com burocracia, em chegar nas pessoas certas.
UM IMPULSO: Da bicicleta elétrica que eu acabei de ganhar. Ela tem um impulso bom nas ladeiras acima e ajuda a ver o Rio de perto, essa natureza maravilhosa que é tão maltratada, mas temos que ter a consciência da limpeza das nossas praias, nossas matas e habitar a cidade com racionalidade e educação.
UMA PARANOIA: Não reconhecer as esquinas da cidade onde eu cresci e andar nas ruas sem ter as referências de um tempo muito legal que eu vivi. Procurar essa identidade é uma busca constante. Rio, mas também posso chorar.
Foto:TV Globo/Pedro Curi