Desde sempre, gostei de ler. Talvez isso tenha começado até antes da minha alfabetização, pois adorava ouvir as histórias contadas pela minha avó e pela minha mãe — elas liam para mim. Só assim, diziam, eu conseguia dormir.
Aprender a ler, para mim, foi, de certa forma, a cura da cegueira. Lembro-me de passar pela rua, lendo todas as placas, percebendo que aqueles sinais guardavam algum sentido: uma revelação. Gostava de ler tudo e tive a sorte de crescer numa casa cheia de livros.
No limiar da adolescência, lia ficção científica: Asimov, Arthur C. Clark, Bradbury; depois, Tolkien e tudo mais que me tirasse do mundo. Homero entrou aí. Um pouco adiante, caí nos romances: primeiro, os franceses; depois, os russos; a seguir, Cervantes, Goethe, Machado e Eça, Kafka e Garcia Marques. Shakespeare era constante, renovado a cada releitura.
Assim, as noites foram dominadas por bons livros, companheiros constantes. Com eles, enfrentei as salas de espera, as esperas em aeroportos, as crises de ansiedade. Com eles, ri e chorei. Ao longo do tempo, fui compulsivamente adquirindo livros e livros. Não sei se tenho uma biblioteca ou se é ela que me tem. Não importa.
O “Caixa de Palavras” é uma declaração de amor aos livros. Nesse livro, como um namorado apaixonado, exponho cinco motivos pelos quais se deve ler, todos eles fundamentados em exemplos colhidos da própria literatura.
Primeiro, deve-se ler para conhecer a si mesmo; afinal, ao ler um livro, tudo se passa na sua cabeça, numa conversa consigo mesmo. Colhemos bons e maus exemplos nos romances – quem gostaríamos de ser, quem jamais seríamos.
Depois, pela leitura, aprendemos a nos comunicar melhor, pois os livros são a melhor escola para dominarmos as palavras — dominamos a arte da ironia, da reticência… Saberemos ser firmes sem ser rudes; ser afetuosos sem pieguice.
Em terceiro, a literatura nos ensina interpretar, a desvendar o sentido, nem sempre evidente, dos textos. Ler nas entrelinhas – e ler as “estrelinhas”.
A literatura, ainda, serve para nos familiarizarmos com a humanidade. Ela exercita a nossa empatia, pois nos coloca em muitos papéis, distintos dos nossos. Nos livros, há o abecedário dos tipos humanos.
Por fim, os livros funcionam como os mais potentes propagadores de cultura. Quando toda uma coletividade lê um livro, cria-se um ponto de encontro, um elo. Uma comunidade se reúne ao redor de sua cultura, dos valores que cultuam em conjunto. Sem essa cultura, a sociedade se dissolve: deixará de distinguir o certo do errado. De outro lado, ao cultuar as obras clássicas, uma sociedade se fortalece, estabelece padrões comuns — ri das mesmas coisas, chora das mesmas coisas.
Atualmente, os livros disputam a atenção das pessoas com um sem-fim de outros entretenimentos. A TV, os jogos eletrônicos, o cinema, as redes sociais …. Ler passa a ser um ato de resistência.
Não se pode perder de vista que ler é um hábito, tal como tomar banho ou escovar os dentes. Quando somos pequenos, nossos pais têm que brigar conosco para escovar os dentes e tomar banho. Depois, quando adquirimos esses hábitos — e percebemos como eles são saudáveis —, ficamos angustiados quando não conseguimos nos limpar adequadamente.
A leitura exige mais atenção, mais comprometimento do que ver uma série de TV. Em compensação, um bom livro oferece, de forma potente, todas as vantagens referidas nos cinco motivos acima, tratados no “Caixa de Palavras”.
Ao fim do “Caixa de Palavras”, faço algumas confissões de um leitor compulsivo, com algumas dicas, como a de que não há nenhum problema em abandonar um livro no meio, ou pular algumas páginas de livros quando ele ficou desinteressante. Há muitos livros maravilhosos por aí — e não justifica perder tempo com obras medianas. Leia o livro no seu tempo, rápido ou devagar; o importante é que se desfrute. De vez em quando, releia os livros, com a sensação de reencontrar um velho amigo. Curta ler o mesmo autor e perceber o amadurecimento do artista. Frequente livrarias. Compre livros no impulso e seja surpreendido. Leia os clássicos e se apaixone por eles, como muitas gerações, antes, também se apaixonaram. O hábito de ler só faz bem, ainda que seja essa loucura mansa.
Foto: Bel Castro Neves
]José Roberto de Castro Neves é Doutor em Direito pela UERJ e mestre pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. É professor de Direito Civil da PUC-Rio. Publicou e organizou mais de três dezenas de livros sobre História, Direito e Literatura. O mais recente, “Caixa de Palavras”, é um lançamento da Nova Fronteira. Alguns de seus outros livros são “Shakespeare e os Beatles”, “O livro que mudou a minha vida”, “Música e Direito”, “Como os advogados salvaram o mundo”, “Medida por medida: o Direito em Shakespeare”, “Brasileiros” e “O mundo pós-pandemia”, pela editora Nova Fronteira.