Pela Constituição de 1947, a eleição para presidente e vice acontecia de forma independente.
Seria o equivalente a, em 2022, a gente poder ter votado em Lula para presidente e no General Braga Netto para vice. Ou em Bolsonaro & Alckmin. Ou em Ciro Gomes & Pastor Vítor. Eles que lutassem, depois de eleitos.
Tinha tudo para não dar certo – como, de fato, não deu.
Em 1960, Jânio Quadros (UDN+) se tornou presidente, tendo João Goulart (PSD+) como vice. A relação entre os dois era tensa. Jânio era conservador, crítico da esquerda e via comunistas embaixo da cama. Jango era progressista, crítico da direita e – a História logo diria – dormia embaixo da cama.
Tudo bem que a experiência tenha sido desastrosa e, por isso, abandonada. Mas nada impede que a aprimoremos e possamos, em algum momento, eleger, por exemplo, o presidente de uma chapa e a primeira-dama de outra.
Porque nem sempre uma escolha conjugal se revela uma boa opção política. E o papel da primeira-dama não é mais cortar fita, apertar mãos, sorrir, dar adeusinho e tomar chá em eventos de assistência social.
Em 2022 eu teria anulado o voto para presidente do mesmo jeito, mas votaria na Lu Alckmin para primeira-dama. Como teria votado, em 2002, na Patrícia Pillar, mesmo optando pelo Serra. Ou não: acho que cravaria Ruth Cardoso em 94, 98 e em todas as eleições seguintes – estivesse ela disputando ou não.
É que uma primeira-dama que assuma o cargo só pelos sagrados laços do matrimônio fica à mercê de muita crítica. Ela precisa chegar lá por méritos próprios para poder dizer: “Tive 50 milhões de votos, e posso torrar 200 mil reais nuns moveizinhos básicos, sem ter que prestar contas a ninguém, tá ligado?”. Ou se lixar para o destino das carpas e emas do palácio. Ou bater no peito e dizer “Sou recatada e do lar, sim; vai encarar?”.
As candidatas a primeira-dama fariam campanha no horário eleitoral:
– Se eu for eleita, não darei pitaco na economia, não ficarei de papagaio de pirata nas fotos oficiais e não mandarei cobrar imposto nas brusinha da Shein!
– Pois eu, se eleita for, não andarei com maquiador a tiracolo, não comprarei toalhas de banho de fio egípcio e travesseiros de pluma, nem deixarei colocar lata de leite condensado em cima da mesa de mogno do palácio!
Haveria debates em horário nobre:
– Candidata M, a senhora tem um minuto para fazer sua pergunta à candidata J.
– Sra. Jota, a senhora acha correto uma primeira-dama gastar o equivalente a um salário mínimo, durante uma viagem oficial, para comprar gravata em loja de luxo?
– Candidata Jota, a senhora tem um minuto para responder à pergunta da candidata M.
– Senhora M., quando eu for primeira-dama, eu compro quantas gravatas eu quiser, na loja que eu bem entender, e posso até usar cartão corporativo, se me der na telha, mas jamais, já-mais, receberei joias caríssimas que não sejam presenteadas pelo meu marido.
– Olha aqui, sua…
– Candidata M., a senhora não tem direito a réplica neste momento!
– Sua o quê? Saiba que…
– Cortem os microfones!
Primeiras-damas eleitas não teriam “deveres conjugais” (óbvio!), só protocolares. Continuariam casadas com os respectivos maridos, mas acompanhariam os presidentes em viagens oficiais, jantares, etc. Isso valeria para os primeiros-cavalheiros, naturalmente.
E acho que a candidata a primeira-dama nem precisaria ser casada com algum candidato. Aliás, poderia ser até solteira! Ou ser homem, trans, genderfluid, sem discriminação. Seria um cargo eletivo, como deputado, senador, síndico.
Cá entre nós: você concordaria com a mulher do médico, na sala de cirurgia, opinando sobre procedimentos, medicação e sutura? Com o marido da dentista resolvendo se precisa fazer canal ou se é melhor extrair logo de uma vez? O namorado da advogada pedindo aparte ao juiz? A noiva do engenheiro dizendo que era melhor os pilares ficarem todos num canto, porque ela ficou encantada com o tal do “conceito aberto”, num programa de televisão?
Podíamos ter uma PEC da Primeira-Dama. Se é para dar pitaco, que seja pitaco previsto na Constituição e referendado nas urnas.
Podendo, inclusive, haver o cargo de Segunda-Dama – ou alguém acha que a “outra” também não mexe seus pauzinhos?
Bom mesmo seria quando um presidento hétero fosse eleito junto com um primeiro-cavalheiro. Ou uma presidenta e uma primeira-dama. Ia dar tão certo quanto deu com Jânio e Jango. Com a vantagem de, se o presidento não gostasse da gravata, o primeiro-cavalheiro não teria perdido a viagem. E os saites de fofoca iam se deliciar com a briga pelas joias.