Ao contrário do que afirmam os cientistas e do que garantem os sábios, não envelhecemos um pouco a cada dia, hora, minuto, segundo, milésimo de segundo. Envelhecemos aos saltos. De arranco. No supetão.
Estávamos jovens e… bum! olha a gente aqui falando de cinema de rua, joelho ferrado, elepê lançado há 50 anos e começando frases com “no meu tempo…”.
No meu tempo, velhos usavam chapéu e bengala. Torciam o nariz para a minissaia (neste caso, só as velhas; os velhos torciam era o pescoço). Falavam com nostalgia dos cantores d’antanho — Francisco Alves, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Vicente Celestino. Estes, sim, é que tinham voz, não essa taquara rachada do Chico Buarque, essa gritaria da Elis Regina, esse chove-não-molha do João Gilberto.
E aí viramos velhos, subitamente, no momento em que, sem chapéu ou bengala, sem nunca ter dito “d’antanho”, nos pegamos dizendo que cantora de verdade era Elis Regina, não essa taquara rachada da Pabllo Vittar. E torcemos o nariz para os homens de miniblusa (“miniblusa” é o nosso “d’antanho”: a coisa agora se chama cropped).
Envelhecemos 20 anos quando o médico diz que é preciso diminuir o sal. Entramos no consultório com 50 e nesse ponto da consulta somos engolidos por uma dobra temporal e, antes que possamos piscar o olho, temos 70, e o bacalhau, a azeitona, a alcaparra, o miojo se tornaram sonhos distantes.
Envelhecemos outros 30 quando precisamos de uma daquelas caixinhas organizadoras de comprimidos. Não adianta dizer que são vitaminas, suplementos, uma coisinha à toa para controlar a pressão, uma capsulazinha de berinjela para segurar o colesterol, tudo muito orgânico, nem devia se chamar remédio. Três comprimidos por dia, todo dia, já deviam garantir desconto em teatro, fila especial no banco e vaga perto da entrada do shopping. Seis, então (que é quando se começa a precisar da caixinha organizadora) é sinal de que cortar o sal já é o menor dos seus problemas.
Envelheci 27 anos e meio esta semana, quando calcei, pela primeira vez, meias compressoras. Semicompressoras, é bom que se esclareça. Não que eu precise, imagina. Mas só assim para os pés não parecerem, depois de algumas horas de trabalho, com uns baobás.
Juntando os anos que somei aos já vividos ao dizer, pela primeira vez, que “no meu tempo” as coisas eram melhores e aqueles adicionados ao pesquisar no rótulo a quantidade de sódio e os que se acumularam na confusão dos comprimidos (para o coração, a depressão, a pressão alta, a reposição da B12, o colesterol, a insônia) e, agora, os das meias (semi!) compressoras, já devo estar com 150 anos de idade, no mínimo.
O que não é ruim de todo. Não viverei para ouvir algum jovem de hoje dizer que no seu tempo era melhor e que “cantora mesmo era MC Pipokinha, não essas porcarias de agora”.