Há mais de 20 anos, fui chamada de “mal-amada” por um conhecido professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) porque não achava graça de suas piadas machistas.
Ele contava, divertidamente, num curso de Pedagogia, majoritariamente formado por mulheres, sobre homens que ganhavam dinheiro ensinando outros homens a terem cuidado com seus relacionamentos para que não configurassem união estável e acabassem tendo que pagar pensão para as ex.
Na semana passada, assistimos ao caso do mentor de masculinidade que ameaçou uma atriz que havia debochado de um de seus vídeos em que ele demonstrava uma suposta superioridade masculina.
Depois da ameaça de processo ou “bala” à mulher, vários homens fizeram um movimento apoiando as mulheres e ridicularizando o profissional, e escolas de formação de coaches emitiram notas de repúdio à atuação do profissional e às mídias que o intitulavam coach.
Todo esse burburinho despertou em mim alguns questionamentos: em mais de 20 anos de ensinamentos para seduzir, iludir e enganar mulheres, onde estavam essas pessoas?
A misoginia que cresceu muito nos últimos anos é um desserviço à democracia. Discursos de ódio e de inferiorização da mulher estimulam os casos de violência e feminicídio.
O machismo estrutural traumatiza, fere e mata mulheres brasileiras todos os dias. Muitos casos de feminicídio poderiam ser evitados caso as medidas cabíveis fossem tomadas mais rápido.
Como Mentora de Liderança e Prosperidade Feminina, já ouvi muitas histórias de mulheres que haviam sido vítimas de violência doméstica. Uma mulher, com sua filhinha bebê no colo, apanhou do então marido, denunciou, mas não deu em nada porque ela tinha dado primeiro um tapa no agressor. É claro que nenhum relacionamento deve chegar a uma agressão física, mas o fato de a mulher dar um tapa no homem em um momento de desespero não dá a ele o direito de seguir com inúmeras agressões.
A machosfera propaga um discurso de superioridade masculina, culpando as mulheres por tudo que aconteça com elas. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Datafolha, divulgados no dia 02/03, os indicadores de violência contra a mulher subiram em 2022 e, no último ano, 18,6 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo de violência ou agressão, ou seja, 35 mulheres foram agredidas física ou verbalmente por minuto, no País. E o pior: na maioria das vezes, a mulher é considerada culpada pela violência que sofreu.
Eu já vi mulheres que foram estupradas e que acabaram sendo julgadas culpadas pelas roupas que trajavam ou porque haviam bebido. Já vi mulheres que foram traídas por anos serem julgadas como prostitutas ao se divorciarem e iniciarem um novo relacionamento.
As conquistas femininas são muito recentes: apenas há 91 anos, a mulher passou a votar; a partir de 1962, a mulher pôde trabalhar sem precisar da autorização do marido. Somente agora, em 2023, passou a vigorar a Lei 14.443, de 2022, em que a mulher pode fazer laqueadura sem a permissão do marido.
Exercer a sororidade é cada vez mais necessário. Precisamos parar de julgar as mulheres e levantar questionamentos sobre o que ela teria feito para merecer tal agressão. Não, nada justifica. Estupro é estupro independentemente da roupa que a mulher use.
Em meu novo livro, “Mulheres que Transformam Mulheres: Seja protagonista da sua vida”, a advogada Andréa Peres relata casos de violência obstétrica em que médicos que negligenciaram as vítimas, que acabaram perdendo seus bebês, são inocentados por se defenderem, alegando que as mulheres não fizeram o pré-natal.
Infelizmente, em alguns espaços, a voz do homem tem muito mais peso que a da mulher. Já tive uma cliente que dirigia uma instituição de ensino superior coordenada por vários homens. Quando ia para as reuniões, essa gestora costumava levar um grupo de professores para endossar a sua fala, para que pudesse ser ouvida por seus pares e respeitada por eles.
Podemos e devemos construir uma sociedade livre do sexismo, do machismo e da misoginia. Isso acaba com a educação familiar e escolar; práticas simples, como a divisão de tarefas domésticas, independem do sexo. É preciso ensinar que todo ser humano merece respeito, sem levar em conta cor da pele, gênero ou orientação sexual.
Educar meninos para se relacionarem com seriedade, em vez de formar homens pegadores e ensinar nossas crianças e adolescentes a não julgarem, a procurar escutar as mulheres antes de culpá-las, também ajudam.
Evitar fazer ou rir de piadas que desvalorizem a mulher, recomendar a leitura de bons livros como, por exemplo, “Sejamos todos feministas”, de Chimamanda Ngozi Adichie; debater casos de violência contra mulher que aparecem na mídia e ensinar as adolescentes e jovens a evitarem relacionamentos amorosos que podem levá-las aos adoecimentos físico e mental.
O relacionamento abusivo é aquele em que uma das partes exerce um controle sobre a outra, para ter benefício próprio. Num desejo de controlar o parceiro, ele começa esse controle de maneira sutil e, aos poucos, conforme a reação da outra parte, pode ultrapassar os limites, causando muito sofrimento.
Esteja atenta a alguns indícios de relacionamento abusivo:
1) ciúme excessivo — o outro, usando como desculpa o ciúme, começa a ser controlador e manipula as suas decisões, profere ofensas e invade a sua privacidade;
2) controle sobre tudo — as pessoas tendem a usar desculpas, como: “eu te amo demais” ou “é para o seu bem” e ainda é “para sua segurança”;
3) invasão de privacidade — quando o outro começa a roubar senhas, rastrear seu celular, ler seus e-mails e mensagens, isso é invasão de privacidade;
4) depreciação — o seu parceiro zomba de você na frente dos outros, ri e faz gracinhas que são desconfortáveis para você e quer discutir questões pessoais em público;
5) justificação por culpa — ele alegar que fez uma ou outra coisa ruim porque estava em uso de drogas ou álcool é apenas uma desculpa para camuflar a violência psicológica que está fazendo com você.
Ao menor sinal de relacionamento abusivo, procure ajuda. Toda violência — sexual, física, psicológica, patrimonial ou moral — precisa ser combatida e denunciada. E a sua responsabilidade é ajudar a combater a violência contra mulher.
Simone Santos é educadora e escritora, conhecida pelo best-seller “As Donas da P** Toda (Literare Books/2021). No dia 20 de março, lança “Mulheres que transformam Mulheres – Seja protagonista da sua vida”, a partir das 19h, na Travessa de Ipanema, com prefácio da empresária Luiza Helena Trajano. Simone é também mestre em Educação no Campo da Linguagem pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalha como mentora de liderança empresarial. Nessa função, deparou com questões, por exemplo, sexismo, diferenças salariais entre os sexos e outros desafios.