Algumas coisas se atualizam; outras, não.
A lima da pérsia, por exemplo.
Já faz 88 anos que a Pérsia passou a se chamar Irã. E a lima, retrógrada, continua lá, agarrada ao passado.
Igual ao meu pai, que chegou ao século 21 ainda falando o preço das coisas em contos de réis.
Ou mais ou menos como eu, que volta e meia me pego chamando o Suriname de Guiana Holandesa e Jorge Benjor de Jorge Ben.
Mas comigo não é saudosismo, teimosia ou ranzinzice. É que tenho certa dificuldade de me desapegar (dificuldade de se desapegar é o nome que se dá ao nosso saudosismo, à nossa teimosia e à ranzinzice que nos acomete depois de certa idade).
Continuei indo à praia na Montenegro, muito depois de ela ter se tornado Vinícius. Falo (muito raramente, mas falo) em Complexo de Golgi, mesmo sabendo que virou golgiense. Para mim, a tíbia segue casada com o perônio — que não se assumiu trans nem exige ser chamada de fíbula.
Desde 1939 que o Sião passou a ser Tailândia – mas os gêmeos que nascem com os corpos unidos permaneceram siameses. Os gatos cinzentinhos — de um cinza mais escuro nas patas, nas orelhas e no focinho — e profundos olhos azuis, idem. Os gatos cinzentinhos — de um cinza mais escuro nas patas, nas orelhas e no focinho — e profundos olhos azuis, e que nascem com os corpos unidos, esses é que não são tailandeses mesmo!
Minha mãe nunca nos mandou, nos momentos de paciência zero, para o Vietnã: o destino permanecia sendo a Cochinchina, que nem existia mais. Como (quase) não existem mais cachorros pequineses, como o nosso finado Kwai Chang — mas, ainda que os houvesse, duvido que agora se chamassem beijinguenses ou coisa parecida. Os marrecos de pequim também não serão de Beijing tão cedo.
Foi no reinado de D. Pedro II que o Brasil adotou o sistema métrico decimal – mas vá comprar canos e ferragens, pra ver só. As bitolas resistem, bravamente, em polegadas (1/4”, ½”, ¾”).
A pimenta do reino tinha esse nome porque vinha de Portugal. Que, na ocasião, era um reino. Portugal virou república em 1910 – e a pimenta não deu a mínima. Continuou monarquista. Fosse um condimento descolado, antenado, afeito às novidades, já há muito tempo seria pimenta capixaba, porque é do Espírito Santo que agora ela costuma vir.
Roupas masculinas e femininas ainda são abotoadas de modo diferente, reparou? Nas camisas masculinas, os botões são voltados para o lado direito. Nas femininas, para o lado esquerdo. E não é para evitar que as mulheres se apropriem das camisas dos maridos e namorados (o fetiche existe). É que botões, quando introduzidos no vestuário, lá por volta do século XIII, eram coisa de gente rica. E as mulheres ricas eram vestidas por suas aias — daí o espelhamento.
Hoje as mulheres se vestem sozinhas, mas as casas continuam lá, na contramão. (Aprendi isso num encontro das oficinas literárias, enquanto conversávamos sobre o estilo do Jerry Seinfeld. Não, ele não usa as roupas da mulher. Não que a gente saiba. É que o tema envolvia minudências, coisas aparentemente irrelevantes, mas que podem render muito nas mãos de um cronista. E olha as ditas cujas rendendo mais um texto despretensioso, aqui.)
Não creio que caipirinha de lima do Irã tivesse o mesmo gosto (álcool e Irã não combinam), por isso me mantenho fiel à da Pérsia. E se tiverem me visto, nos últimos dias, olhando para braguilhas, com redobrada atenção, não é nada disso que estão pensando. Era só para confirmar que, sim, mesmo na era do zíper, a abertura continua sendo em lados diferentes.
E não tentem checar a veracidade desta informação: vocês não têm, como eu, a desculpa de estar escrevendo uma crônica a respeito.