“Nós, sobreviventes do ódio” nasceu quando comecei a escrever na “Folha de S.Paulo”, em janeiro de 2020, no período mais tenebroso da vida brasileira desde a reconquista da democracia. Jair Bolsonaro já estava há um ano no poder e botara em marcha um inédito plano de ataque, em escala e ferocidade, contra o país, o povo brasileiro e as instituições do Estado Democrático de Direito.
Durante a fase mais aguda da pandemia de Covid-19, o que se viu foi uma máquina mortífera operada de dentro do Palácio do Planalto comandando o que tem que ser chamado pelo seu verdadeiro nome: um genocídio. Em vários momentos, eu tive a sensação de que o país desmoronava ao meu redor e, muitas vezes, escrever foi um exercício dilacerante e doloroso. Mas era preciso escrever.
O encontro com os leitores da “Folha”, duas vezes por semana, sempre às terças-feiras e sábados, me ajudou a refletir sobre o Brasil, a amadurecer ideias e a continuar navegando em meio à tempestade furiosa. Na caixa de comentários das colunas, encontrei críticas e ponderações que me enriqueceram muito, e alguns leitores me encorajaram a publicar as crônicas em um livro.
Decidi, então, fazer uma seleção dos textos que, na minha percepção, contam uma história dos anos que vivemos em perigo, de 2020 a 2022. Os artigos cobrem, principalmente, o auge da pandemia, a campanha criminosa de Bolsonaro contra a democracia, seus ataques aos direitos humanos e ao meio ambiente. Também escrevi sobre o papel do jornalismo nestes anos tormentosos, sobre acontecimentos internacionais e seus impactos no Brasil e sobre como as peças do tabuleiro político interno se moveram nos últimos anos, resultando na eleição de Lula para seu terceiro mandato.
A vitória de Lula seria o ponto final do livro. Mas decidi avançar até as primeiras semanas de seu governo diante da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, rapidamente contida pelo presidente, com o apoio dos três poderes. Aquele domingo infame nos mostrou de maneira aterrorizante que será muito longo e árduo o caminho em direção à plena normalidade democrática e à pacificação do país.
O esforço de reconstrução só chegará a bom termo se os crimes de Bolsonaro, seus coautores e cúmplices forem devidamente investigados, julgados e punidos. Como escrevi na coluna que dá título ao livro, “Você, Jair, não tem direito ao esquecimento. E nós, sobreviventes do vírus do ódio, temos o dever da verdade e da memória”.
Lançado agora pela Editora Máquina de Livros, “Nós, sobreviventes do ódio” é meu quarto livro e traz um total de 224 colunas publicadas na “Folha”. Com muito orgulho, contei com a contribuição luxuosa de dois dos maiores jornalistas do país: Janio de Freitas escreveu o texto de apresentação e Juca Kfouri assinou a contracapa.
Acima de tudo, este livro é uma homenagem aos 700 mil brasileiros vítimas da Covid-19 e de Bolsonaro. Faço questão de dedicá-lo ao povo brasileiro, que reafirmou o compromisso do Brasil com a democracia e que nos enche de esperança na alvorada de 2023.
Cristina Serra é uma das jornalistas mais críticas e respeitadas do País. Trabalhou em veículos como o “Jornal do Brasil”, “Veja” e Rede Globo. Na TV, foi repórter no Rio e em Brasília, correspondente em Nova York e comentarista do “Programa do Jô”. É colunista da “Folha de S.Paulo” e do ICL Notícias. “Nós, sobreviventes do ódio” é o seu quarto livro, recentemente lançado no Rio e dia 20 de março, às 19h, na Livraria da Vila da Vila Madalena.