Na década de 60, não tinha idade e, muito menos, “physique du rôle” para entrar nas peças proibidas. Contudo, minha mãe, que não me contava histórias de fada, me falou: “Simone de Beauvoir, pare de fumar, siga o exemplo de Gildinha Saraiva e comece a trabalhar”, “O começo é sempre difícil, Cordélia Brasil, vamos tentar outra vez”, “Abre a janela e deixa entrar o ar puro e o sol da manhã”, de um jovem paulistano chamado Antonio Bivar.
Com “Alzira Power” (“Porra Louca censurada”) ou o “Cão Siamês” e com o “physique du rôle”, inaugurei meu relacionamento com Antônio Bivar, mensageiro do teatro contemporâneo de então. Yolanda Cardoso dividiu o palco com os jovens Antônio Bivar e Marcelo Picchi. No mesmo Gláucio Gil, onde João Fonseca dirige a versão atual, vimos com os dois atores, na montagem carioca de Antônio Abumjara. Nessa mistura de passado e futuro, de estreantes e atores experimentados, é que Alzira Power se insere com a marca da atualidade do texto.
João, herdeiro direto de Abumjara, pois integrou a Cia. Fodidos e Privilegiados, traz à cena uma moldura clássica, com cenário que lembra um passado, mas com força e ênfase na atualidade do significado do texto, apesar da ótima manutenção do vocabulário da época. A movimentação do casal, a marcação de cena alterna o mosaico de raiva, comédia, surpresa e incongruências, obtendo o resultado que o diálogo se propõe a realizar. João utiliza, de forma bastante eficiente, as chamadas rubricas (quando o autor indica o movimento dos personagens) como texto.
A peça, ganhadora do Molière de melhor texto — maior prêmio teatral —, agora é encenada por Stella Maria Rodrigues e André Celant, que encarnam os personagens meio estereotipados, mas que acabam por parecer como arquétipos da sociedade que começa a se desenhar. Stella faz uma Alzira solta, largada mesma, como exige o papel. André mostra as contradições do personagem, que mente para si próprio, mas não engana ninguém.
É importante e fundamental que, ao se ter a coragem de remontar um projeto, evocar a tradição de um teatro brasileiro que aponta para os equívocos, contradições da vida miserável das pessoas que vivem no caos da grande cidade, em uma dramaturgia clássica, na qual a força do texto e a da direção são capazes de emocionar, passados 50 anos.
Foto: Roberto Cardoso
Serviço:
Teatro Gláucio Gil, em Copacabana
Quintas e sextas, às 20h