O impulso que me levou em direção à literatura foi a vontade de escrever sobre a cirurgia da catarata de uma forma que não se restringisse à comunidade médica.
Esse desejo encontrou, na minha amizade com o grande artista Enrico Bianco, a oportunidade de se expressar em uma história retratada no meu primeiro romance, “As Cores da Vida” (Editora Argumento, 2004), que fala de um pintor, Francesco Rinaldi, cuja atividade profissional começa a ser prejudicada à medida que a catarata progride.
Após a cirurgia, como acontece frequentemente, Francesco se sente rejuvenescido pela melhora visual; isso o leva de volta a Roma, para apresentar uma retrospectiva da sua obra.
Nessa cidade, do gênio humano exposto a céu aberto, como diz Millôr Fernandes na apresentação do livro, ele encontra a filha de uma mulher com quem vivera um grande romance e que morreu precocemente, em um acidente.
Os acontecimentos, a partir daí, se desenrolam de tal forma que ele acaba tendo um papel decisivo na vida da jovem.
Depois do lançamento, como eu já esperava, o livro deixou de me pertencer e assumiu sua própria personalidade.
Na sua jornada, conquistou a simpatia de uma editora francesa e foi publicado na França, com o título “Sur le Chemin d’Ithaque (Éditions Caractères, 2006). O prefácio foi escrito pelo professor Joseph Colin, presidente da Sociedade Francesa de Oftalmologia à época, que fez uma alusão à amizade entre o grande pintor impressionista Claude Monet e seu oftalmologista, o Dr. Coutela.
Empolgado com a minha primeira experiência literária, publiquei meu segundo romance no mesmo ano, “Elos Invisíveis” (Editora Bom Texto, 2006). O personagem principal é um empresário americano, Anthony Crandall, que vive com a mulher em Boston e tem três filhos adultos. Crandall sempre teve uma vocação genuína para fazer o bem, a tal ponto que criou uma fundação filantrópica.
Em seu íntimo, costumava dividir a vida em três fases: aprender, ganhar e devolver. A primeira deveria ser voltada para a educação e o aprendizado; a segunda, para construir uma carreira e um estilo de vida; a última, não menos importante, para devolver algo para as outras pessoas como forma de gratidão pelo sucesso alcançado. Cada estágio representaria uma preparação para o próximo.
Ao longo da trama, vemos a interligação – como elos de uma mesma corrente – entre as vidas dos personagens, o que nos leva a refletir sobre a família, o trabalho e as escolhas que todos nós fazemos a cada instante e que acabam por nos definir ao longo do tempo.
Talvez a mensagem mais importante que essa história passe é a de que precisamos nos tornar mais solidários e de que temos que reconhecer que, independentemente de religião, cor ou localização geográfica, nós, seres humanos, estamos unidos, ainda que por elos invisíveis.
A inspiração para o terceiro livro, “Uma Vida não Basta” (Editora Topbooks, 2012), veio de um paciente que dedicou sua vida a ficar rico e, para atingir seu objetivo, afastou-se da família e dos amigos. Eu me perguntei o que poderia acontecer na vida de alguém como ele que pudesse levá-lo a rever seus valores.
A história associa uma trama policial a um drama existencial, envolvendo o bem-sucedido homem de negócios Anibal Cavalcanti e seus dois filhos, Ricardo e Antonio. Um quer destruí-lo, movimentando-se em várias direções, para conseguir seu objetivo; o outro, retido em uma cama em estado comatoso, termina por salvá-lo interiormente.
Os sentimentos de vingança, raiva e ambição material desenfreada, ao lado da compaixão, da busca espiritual e da serenidade, traduzem a eterna batalha entre as forças do bem e do mal.
Para minha grande alegria, o livro foi publicado nos Estados Unidos, com o título “One Life Is not Enough” (Editora Gracie, 2015).
A inspiração para o quarto livro, “Sem Luta Não Se Vive” (Editora Gryphus, 2022), veio de um fato verídico — um assalto —, visto casualmente pelo personagem principal, da janela do ônibus em que viajava.
Herculano Fagundes salta do ônibus e socorre Patricia Magalhães, usando suas habilidades marciais.
A partir desse acontecimento, desenvolve-se um thriller policial, no qual as histórias dos personagens se entrelaçam, tendo como pano de fundo a nossa cidade do Rio de Janeiro, onde suas belezas naturais concorrem com episódios de violência urbana, ação de milícias e outros desvios próprios das grandes metrópoles.
Ao longo da trama, vivenciamos não só momento de tensão e suspense, mas também de justiça e amizade.
Depois de quase duas décadas escrevendo ficção, posso dizer que o oftalmologista e o escritor convivem bem. Como só escrevo aos fins de semana, continuo me dedicando à oftalmologia, de modo integral, nos outros dias. Mas eu diria que a literatura é uma janela que se abriu na minha vida, permitindo-me contemplar os fatos e as pessoas através de uma outra perspectiva.
Almir Ghiaroni é mestre em Oftalmologia (UFRJ), doutor em Oftalmologia (UNIFESP), coordenador das Sessões Oftalmológicas do Centro de Estudos Copa Star. Foto: Cristina Granato.