Assim como há quem ache que o espaço público é de ninguém (ele é de todos), há quem entenda que um perfil aberto numa rede social esteja escancarado – uma espécie de “casa da mãe joana digital” onde se possa entrar e fazer o que quiser. Não é bem assim: ele continua sendo um perfil particular. É território de alguém.
Um artigo do La Nación, reproduzido no GLOBO, diz que “desaparecer, deixar de responder ou bloquear diretamente alguém, sem aviso prévio, nas redes é conhecido há algum tempo como ghosting. (…) Sumir sem nenhuma explicação mostra irresponsabilidade emocional”.
Peralá. Ghosting é sair de casa dizendo que vai comprar cigarro – ou fazer as unhas – e nunca mais aparecer. Ghosting é flertar, trocar telefone, criar um clima nas mensagens por zap, pedir nudes e deixar de responder. Block não é ghosting – e, se for com aviso prévio, nem é block: é treta.
Não tenho nenhuma experiência com saídas para procurar Minister sem filtro às 2h da madrugada – ainda que já tenha me ocorrido aproveitar a ida ao banheiro para tentar escapar pelo basculante. E, nesse caso, creio que a legislação vigente coloca o instinto de sobrevivência psíquica acima da responsabilidade emocional.
Que ghosting, que nada. Como disse, de forma lapidar, a Cora Rónai, block é vida, block é saúde.
Block é livramento. É um combo de estaca de madeira, bala de prata, réstia de alho, crucifixo, água benta, Lysoform, nitroglicerina e lança-chamas. Block é uma equipe de ghostbusters, exorcistas, X-Men e bando de Lampião, que entra em ação quando não há esperança de diálogo.
Por algum tempo, alimentei a ilusão de que uma boa argumentação seria o melhor antídoto à grosseria nas redes sociais. Em vão: argumentos só surtem efeito quando os dois lados envolvidos fazem uso deles. Com quem chega querendo ganhar no grito, no dogma ou no insulto, só block na causa.
Dizer “Se você não dialogar civilizadamente, vai levar block” apenas piora as coisas. Cria uma D.R. com quem você não quer ter R. nenhuma. Block bom é block no ato, sem réplica nem tréplica. Cortando o mal pela raiz, atacando a doença ao primeiro sintoma, apagando a fagulha antes que vire um fogaréu.
E há também o block preventivo, ou profilático. Quem curte uma agressão é coautor. Block. Quem deixa coraçãozinho num insulto também insulta. Block. Quem agride amigo nosso tem grande potencial de vir a nos agredir. Block. “Ah, mas eu nunca fiz nada de mais e ele/a/u me bloqueou”. Não caia nessa.
O block é democrático: a pessoa não perde o direito de ser rude com ninguém – a não ser comigo (dos meus direitos cuido eu). Não deixa de poder dizer o que pensa – em seu próprio perfil ou no de quem ainda não a bloqueou. Continua livre para fazer o que bem entender – em outra freguesia.
Não, bloquear não é uma forma de ghosting: é estabelecer um cordão sanitário, colocar um cortineiro para manter os pernilongos à distância, passar protetor solar, abrir o guarda-chuva, tomar vacina.
A distância física, o anonimato, a virtualidade – tudo conspira para que algumas pessoas se sintam no direito de ser inconvenientes, agressivas, nocivas (quase digo “tóxicas”), abusadas.
Um perfil em rede social deve ser aberto para quem quiser chegar, discordar, corrigir, propor, provocar. Parafraseando Leila Diniz, é um lugar para todo mundo – mas não para qualquer um.
Há margem até para abusar.
Mas abuse com moderação.