A atriz Lilia Cabral, nome reconhecido de fora a fora no Brasil, atualmente no ar em “Chocolate com Pimenta”, nas tardes da Globo até julho, está de volta aos palcos cariocas com “A lista”, em cartaz no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, desde esta sexta (06/01), em cena com a única filha, a atriz e roteirista Giulia Bertolli, 25 anos (com o atual marido, o economista Iwan Figueiredo). A peça já levou 30 mil pessoas ao teatro na temporada paulistana.
O texto de Gustavo Pinheiro, com direção de Guilherme Piva, fala de uma professora aposentada de Copacabana e sua relação com uma vizinha, interpretada por Giulia, que ajuda a moradora durante a pandemia, fazendo as compras de supermercado para que a personagem de Lilia, mais velha, não precise sair de casa, evitando o contato com a covid-19. E daí, surgem afeto, amizade, solidão.
Foi apresentado em versão mais enxuta online, em 2020, no auge da pandemia, nesta primeira vez e, certamente, não a última, que mãe e filha trabalham juntas. A peça também estará nas livrarias a partir deste mês, pela “Coleção Dramaturgia” (Editora Cobogó). Lilia tem trajetória: 30 novelas, 13 peças, 10 filmes e prêmios, tais como: o Grande Otelo, Troféu Imprensa, APCA, Shell e Qualidade Brasil. Além disso, foi indicada duas vezes ao Emmy Internacional de Melhor Atriz: por “Páginas da Vida” e “Viver a Vida”, de 2006 e 2009. Por enquanto!
UMA LOUCURA: Andei pensando aqui as loucuras que passaram pela minha vida, as loucuras que tive que enfrentar ou aquelas que eu determinei que iria fazer. Foram pouquíssimas. Sempre tive um caminho focado, comprometido, sem desmontar aquilo em que fui criada. Na verdade, as loucuras deixei para fazer quando estou em cena – foi onde percebi que poderia ser tudo, sem magoar quem estivesse ao meu redor. Não me lembro de ter contado algo para amigo ou uma outra pessoa, e ela respondesse com “Nossa, que loucura!”. Mas em compensação, já ouvi muitas coisas quando estou em cena. Já me compararam com a Disneylândia, dizendo “Que loucura que você faz!”, ou “Que exercício é esse que você fez?”, “Nossa, você teve coragem?”. Isso me motiva muito porque, independentemente da loucura, minha opção de carreira não poderia ter sido mais abençoada. Minha maior loucura é ter tido coragem de ir à luta, ao que realmente queria. E as pessoas que receberam toda essa loucura com carinho e respeito.
UMA ROUBADA: Sempre fui “certinha”, mas, um dia, fui acampar. Não em um lugar qualquer — foi em Trindade, quando tinha em torno de 22 anos de idade. Só tinha mar, mosquito; um lugar difícil de chegar, não tinha uma cidade. Acabei sendo roubada, ficando sem dinheiro. E para voltar, eu e minha amiga tivemos que pegar carona com quatro rapazes. Nem sei como estamos vivas: eles nos abandonaram na estrada. Não sabíamos se tinha que ir pra a direita ou pra esquerda. Sempre me lembro disso porque não importava: sabia que ia chegar, não importava quanto tempo levasse. Essa roubada me ensinou muito, pois essas lembranças me fizeram chegar aonde sempre desejei.
UM PORRE: Às vezes, você está em um lugar que é um porre, ou convive com pessoas que são um porre. Às vezes, você está em um ambiente ótimo que de repente vira um porre. Porre pode ter vários significados. Me vem à cabeça também quando você bebe demais e faz alguma coisa. Aliás, a bebida nunca foi bem recebida em minha vida. As pessoas estão de um jeito e, depois de um tempo, ficam completamente diferentes. Quem está de fora sempre percebe que a pessoa não está em seu estado normal. Não sou ligada à bebida. Mas já tive minha cota ao ter um porre de batida de maracujá. Hoje, não posso nem sentir o cheiro: se uma pessoa pede um suco desta fruta, já quero ficar mais distante, ou até se tem uma comida gostosa e coloca um caldinho de maracujá. Já me pergunto o porquê que tinha que colocar. Estava em uma festa e pensei que era um suco, mas era uma cachaça caipira, estava fraco, era leve, mas, como não estava acostumada, acordei em um hospital. Agora isso não significa que não é alegre estar com um caipirinha. Meus amigos se divertem comigo porque, se eu tomar uma caipirinha, fico sem assunto, e todos percebem. Sou bem fraca, acaba sendo uma alegria, e depois me levanto e vou dormir. Porre mesmo é quando tem gente chata colocando dedo na ferida. O do maracujá me acendeu que não ia me dar muito bem na bebida, mas também faz parte, nada é tão radical assim.
UMA FRUSTRAÇÃO: As frustrações fazem parte do amadurecimento. Tenho uma: queria muito ter colocado uma mochila nas costas e ter viajado pela Europa. Teria sido engrandecedor na minha vida; por isso aconselho sempre todos a viajar, passear, viver outras experiências. Comecei a trabalhar cedo e sempre fui focada e determinada. Acabei não conseguindo fazer uma bela viagem com mochilão.
UM APAGÃO: Têm coisas na vida que a gente tem necessidade de esquecer; outras, por mais dolorosas que sejam, temos a necessidade de lembrar. De alguma maneira, elas vão ensinar algo. Mesmo os sofrimentos mais duros eu não tentei apagar ou esquecer, pois sempre pensava: se apagasse, estaria sozinha nas minhas lembranças. Por mais dolorosas que sejam, foram importantes. Têm pessoas que te fazem mal ou não são legais com você; têm falecimentos (as pessoas que se foram), situações perdidas… Tudo isso faz parte. Não tirei nada na minha vida; tudo foi especial, importante. Por mais que tenham sido dolorosas as circunstâncias, não tirei nada na minha vida. Sempre dei valor, tudo foi especial e importante.
UMA SÍNDROME: Do pânico — não preciso dizer mais nada. (A atriz teve síndrome do pânico, depois da morte da mãe)
UM INSUCESSO: Correr risco é muito saudável, pois te deixa em uma adrenalina. Você quer saber o que vai acontecer, que tudo dê certo. Mas, quando não é, vêm as frustrações, situações que não imagina ou que não queria que acontecessem. Passei por algumas, todas valeram a pena, quase todas; outras não valeram. Mas faz parte. Não gostaria de detectar algo em específico, dizendo que não valeu, mas vai saber se não valeu mesmo? Vai saber se aquilo não gerou resultados maiores e melhores do que estava esperando no passado? Não sei. A gente luta bastante. Sempre tenho pensamento positivo e gosto de conviver com quem pensa desse jeito. O negócio é bola para frente!
UM IMPULSO: É quando se tem vontade de fazer ou conquistar algo. Vem por meio da vontade, e você não pensa duas vezes: tem o impulso do que deseja. É isso 24 horas por dia na minha vida: eu penso em algo e vou atrás, seja o que for.
UM MEDO: De avião.
UMA IDEIA FIXA: Sou filha de migrantes. Sempre ouvi da minha mãe e do meu pai, tias, madrinha, avó… que sempre é importante pensar na casa própria. Saí da Belas Artes, fui trabalhar como professora, fiz várias entrevistas, antes de entrar na Escola de Arte Dramática. Sempre tinha uma pergunta: “O que mais almeja/deseja na vida?”. Sempre respondia: “Ter minha casa própria”. Quando consegui, no Rio de Janeiro, fiquei aliviada. Era um sonho meu e da minha mãe, que já era falecida. Depois de ter a preocupação da casa própria, tive o pensamento de dar conforto para minha filha. Agora, minha ideia fixa é aproveitar tudo aquilo que durante esses anos conquistei. Minha ideia fixa é sorrir diante de tantas boas realizações.
UM DEFEITO: Defeito todos nós temos e conhecemos todos eles. Eu, muitas vezes, quando falo, acabo magoando as pessoas e não percebo. Percebo depois, mas muita gente faz e não se incomoda, porém me incomoda. Não gosto de ser destemperada, mas, às vezes, eu sou. Posso ter razão, mas o destempero me tira a razão. Converso com minha filha e amigos sobre essa forma da gente se posicionar, que não vale a pena. Quanto mais amor, carinho e afeto se tiver, melhor será sua a vida e a dos outros. Também quando faziam comigo, ficava magoada, com sentimento ruim; agora me passa, eu registro, mas encaro de outra forma.
UM DESPRAZER: De estar ao lado de gente que não valoriza a cultura.
UMA PARANOIA: Paranoia seria algo em que você toda hora pensa; está ali a qualquer momento. Não tenho, sou leve dentro dessas circunstâncias. Diante de toda a minha trajetória, não teria ido para lugar nenhum se tivesse algo tão obsessivo. Claro que você não quer que algo de mal aconteça com sua família, ou com as pessoas que você gosta. Não quer ficar sem trabalho. Isso faz parte da vida. Mas paranoia, não. Esses relatos de que fiz algo foram muito positivos, foram um retrospecto da vida com leveza e de forma agradável.
Foto: Leo Aversa